Reaberto neste sábado,28 de novembro. Ufa! Depois de permanecer fechado quase um mês por medida de prevenção decretada em razão da morte de 16 macaquinhos, finalmente o Parque Mãe Bonifácia, em Cuiabá, a mais bonita e democrática área de lazer mato-grossense, é devolvida ao povo, seu dono. Melhor: exames laboratoriais identificaram a causa da morte dos saguis. A partir de agora, se todos os visitantes obedecerem a regra que proíbe alimentar os animais naquele logradouro, nenhum bicho morrerá por conta da alimentação recebida e os bonifacianos desfrutarão em paz daquele mar verde que contrasta com a frieza do cimento e do aço na construção da muralha de edifícios que o cerca.
SAGUIS – Os macaquinhos morreram vítimas de infecção causada pela Herpes Simplex, transmitida por humanos. Nos seguis essa doença é letal, pois ataca seu sistema nervoso central atingindo o coração, fígado e pulmão, e também pode provocar lesões na pele.
O Centro de Controle de Zoonose de Cuiabá enviou os saguis mortos para a Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Mato Grosso, que juntamente com a Universidade de Brasília (UNB) estudou e analisou o caso.
A partir de agora, se os visitantes observarem a regra que proíbe alimentar os bichos, os saguis estarão livres da mortandade resultante da ação do homem, ainda que a mesma não tenha intenção de contaminá-los
Celebrando a reabertura do Parque Mãe Bonifácia, blogdoeduardogomes posta este texto, de 2019, mas muito atual. Levem em conta que nas fotos com aglomeração de visitantes ninguém usa máscara, pois a reportagem é anterior à pandemia do novo coronavírus.
A pista é de todos. Do lado de fora, sol escaldante, temperatura elevada, baixa umidade relativa do ar, barulho, correria. Dentro, sombra das árvores do cerrado, brisa amena, ar respirável, silêncio e calmaria. Esse é o comparativo de Cuiabá, no rigor do verão, com o Parque Mãe Bonifácia, na mesma época. Uma imponente área verde, com espécies vegetais nativas da região, povoada por aves, répteis e mamíferos, coberta pelo verde e as cores e cheiro das flores e frutos – assim é o Mãe Bonifácia, o xodó cuiabano, ponto democrático de encontro e espaço para caminhadas, exercícios físicos, meditação, leitura e, claro, namoro, afinal, num cenário assim a paixão não nega fogo e aflora sob revoadas de pássaros das mais diferentes plumagens.
Segurança é uma obsessão do gerente do parque, o coronel aposentado da Polícia Militar Celso Benedito Pinheiro Ferreira. Ele é quem primeiro chega e às 6h abre os portões. Também é o último a deixar o local, às 18h quando os visitantes vão embora e a área fica exclusivamente para a bicharada que ali tem seu habitat, no escuro, sem nenhuma lâmpada para incomodar. No horário de verão o período de funcionamento se estende às 19h.
Atento a tudo e a todos, o coronel Celso tem olhar de lince. Se vê algum cãozinho de estimação em algum veículo que entra, antes mesmo que o motorista o estacione, ele encosta sua moto ao lado e, educadamente, explica que não é permitida a presença de animais domésticos no Mãe Bonifácia.
Ainda como parte da segurança, Mãe Bonifácia tem internet free somente em sua área central pontilhada por uma pista circular com 370 metros. A limitação é para facilitar o monitoramento de sua utilização. Fora daquele perímetro – entende o coronel – o uso pode se associar à comunicação para compra e consumo de drogas em locais protegidos pela densa vegetação. Daí…
Rodeado por prédios, Mãe Bonifácia se situa entre as avenidas Miguel Sutil e Filinto Müller, e a Rua Corsino do Amarante, numa região nobre de Cuiabá entre os bairros Quilombo, Duque de Caxias e Morada do Sol, numa área que anteriormente pertencia ao 44º Batalhão de Infantaria Motorizado do Exército, que a utilizava para treinamento militar, inclusive com estandes de tiros.
Primeira grande área de lazer cuiabana, Mãe Bonifácia tem fácil acesso e seus três estacionamentos garantem 300 vagas para automóveis e utilitários, além de igual número para motos. Ao longo da semana a visitação diária gira em torno de 700 frequentadores. Aos sábados e domingos, e nos feriados, esse número dobra e não raramente triplica. O principal portão fica ao lado do Viaduto Engenheiro Domingos Iglesias Valério, mais conhecido por Viaduto do Despraiado, na Avenida Miguel Sutil.
O parque virou democrático ponto de encontro de adeptos da caminhada, de corrida e bate-papo. Pela manhã e à tarde, parte da pista circular central próxima à entrada pela Miguel Sutil se transforma em palco para a discussão dos mais diversos temas, incluindo futebol, política e economia. Jovens em busca do aprimoramento físico, mulheres de todas as idades lutando contra o amedrontador pneuzinho, aposentados à procura de boa prosa, ricos e pobres, magistrados, empresários, políticos, profissionais liberais, estudantes, artistas, intelectuais, assalariados, prestadores de serviço, militares, policiais, enfim, o componente social cuiabano ali bate ponto. Há frequentadores antigos, que literalmente não arredam o pé do parque. Turistas e figuras locais esporádicas também se misturam à comunidade bonifaciana.
Escolas de Cuiabá, Várzea Grande e cidades da região levam grupos de alunos ao parque. Professores aproveitam para reforço de aula prática sobre natureza e cuidados ambientais. Operadoras de turismo incluem o Mãe Bonifácia aos roteiros de seus pacotes.
Não há registro de incidente grave no parque. O ambiente é descontraído. Frequentadores se conhecem ou passaram a se conhecer naquele local.
A cordialidade se estende à entrada principal, onde o catarinense vendedor de água de coco Dirceu Babinski, apelidado Taffarel, conversa com os fregueses tradicionais e os trata pelos nomes.
Na sombra das árvores do círculo central rodeado por uma pista concretada, crianças se divertem e mães levam filhos pequenos para o convívio com a natureza. A cuiabaninha Jeovanna Maria tem apenas 8 meses e já frequenta o parque. Sua mãe, Jeanne Silva, forra o chão com uma toalha ao estilo piquenique e bota a pequenina para brincar à vontade. O Mãe Bonifácia para Jeanne é algo diferente. Nascida em Natal, no Rio Grande do Norte, seu lazer era a praia. Há dois anos em Cuiabá, mudou de hábito e se mistura à multidão na mais democrática área de lazer cuiabana.
A natureza é generosa com o pessoal que caminha e corre. A topografia levemente acidentada do terreno exige maior esforço nas subidas e prudência ao pisar nas descidas. Nas trilhas, sempre muito limpas, o vaivém é feito nos dois sentidos. De um lado e do outro delas, a bicharada toma conta do ambiente. Saguis desfilam nos galhos de aricá, bocaiuva, baru, lixeira, guariroba, pequi, jamelão. Melro, bem-te-vi, canário, tucano, joão-de-barro, quero-quero, sabiá-laranjeira e outras aves em voos rasantes e em incursões pelas árvores completam a beleza do lugar.
Pra quem se prepara para prova de resistência o parque oferece uma pista de areia com 473 metros de extensão. Paralela a ela, uma estreita pista cimentada permite o acompanhamento do atleta em treinamento, ao longo de seu trajeto.
Durante a caminhada sob o silêncio, vez ou outra se ouve um barulho rente ao chão, em meio à folhagem caída. Tanto pode ser um lagarto quanto uma cutia um rato ou até mesmo uma enorme jibóia. Nada assustador. Ao atravessar as pontes de madeira do parque, fique atento. Capivaras e preás costumam aparecer entre a água poluída, que desafia a capacidade do governo e continua banhando o parque e matando a sede de parte de sua fauna.
Sucessivos governos investiram no parque, mas nem isso impediu que em 2013 seu mirante fosse desativado por oferecer riscos, e assim permaneceu até ser demolido. Em 2018 o então governador Pedro Taques (PSDB) anunciou que o Mãe Bonifácia ganharia novo mirante, esse com 15 metros de altura, mas a obra não saiu do papel.
Num dos pontos do parque há um casarão, que muitas vezes foi gabinete do ex-governador Dante de Oliveira e abrigou importantes reuniões para tratar de temas relacionados ao meio ambiente.
Nas trilhas há três pontes sobre os dois córregos que cruzam o Mãe Bonifácia e um deles tem o nome daquele logradouro. Mas, afinal, quem foi Mãe Bonifácia para receber tantos mimos?
MÃE BONIFÁCIA – Historiadores divergem sobre Mãe Bonifácia. Alguns teimam que foi escrava e ao envelhecer, abandonada, vivia à margem de um córrego onde surgiu o parque com seu nome. Outros, que ela nunca foi escravizada. Mesmo divergindo há algo em comum sobre os relatos deles: Mãe Bonifácia seria benzedeira e teria poderes sobrenaturais. Mais: seria protetora de escravos que fugiam das senzalas e viviam num quilombo bem ao lado de seu barraco. Daí, surgiu o bairro Quilombo e, claro, o Parque Mãe Bonifácia.
O barraco de Mãe Bonifácia ficava – segundo historiadores – ao lado de uma trilha que ligava Cuiabá ao distrito de Nossa Senhora da Guia, Acorizal, Rosário Oeste e Diamantino. Com seus dotes espirituais protegia seu povo que fugia do trabalho fatigante, do açoite, do tronco e até da execução impiedosa.
A protetora Mãe Bonifácia na Terra era a mão que Deus destinara para amparar os negros escravos em Cuiabá. A gradativa redução da escravatura, que culminou com a Lei Áurea, desativou o quilombo que abrigava os fugitivos. O tempo a levou. Nenhum historiador tem detalhes sobre seu adeus. Ficou seu legado e cuiabanos trataram de eternizar seus feitos com o bairro Quilombo, o córrego e o parque que levam seu nome.
Uma escultura do artista Jonas Corrêa, sobre um pedestal de pedra canga, numa área do parque, mostra Mãe Bonifácia amparando um homem prostrado ao seus pés. A obra de arte tem ao seu lado três pés de caju, que ali permanecem como se fosse sentinelas daquela cena criada pelo escultor.
Compensação ambiental
Essa obra exigiu compensação ambiental por parte da Enron Serviços do Brasil, que à época era sua proprietária. O então governador Dante de Oliveira, adepto de caminhadas e com perfil ambientalista, conseguiu junto ao Ministério da Defesa a doação da área de treinamento do 44º Batalhão de Infantaria Motorizado para a criação do Mãe Bonifácia, cuja infraestrutura seria bancada pela dona da Mário Covas.
Em 8 de abril de 1999, como parte da programação do aniversário de Cuiabá, o Exército doou a área do Mãe Bonifácia ao governo estadual, para a criação de uma unidade de conservação.
Assim nasceu o parque, criado em 26 de junho de 2000 e inaugurado em 23 de dezembro daquele ano. A infraestrutura foi custeada pela Enron.
Redação blogdoeduardogomes
FOTOS:
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Demais: Site público do Governo de Mato Grosso – Divulgação