Eduardo Gomes
@andradeeduardogomes
Na Semana de Rondon em que se comemora o nascimento do Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon em 5 de maio de 1865, em Mimoso aos pés da baía de Chacororé, o blog o reverencia postando matérias sobre sua trajetória. Com um pé no céu e outro no inferno. Essa é uma boa definição para a relação da comunidade internacional e da classe política nacional com Rondon. Porém, após sua morte não há mais vozes políticas críticas de sua obra e ele virou unanimidade nacional.
Em 30 de abril de 1912, quando a primeira locomotiva com vagões de passageiros e cargas deixou a estação da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré em Porto Velho rumo a Guajará-Mirim, distante 366 quilômetros, então município de Vila Bela da Santíssima Trindade e na fronteira com a Bolívia, o Código Morse do telégrafo mandou mensagem ao presidente Hermes de Fonseca e ao governador de Mato Grosso, Joaquim Augusto da Costa Marques. Esse feito na Comunicação somente foi possível graças a uma jornada iniciada em 1907, por Rondon, estendendo 1.600 quilômetros de linhas telegráficas entre Cuiabá e Porto Velho rompendo o isolamento que tanto preocupava autoridades, pois graças à falta de informação o governo federal somente ficou sabendo muito tempo depois da invasão de Corumbá (à época Mato Grosso e agora pertencente a Mato Grosso do Sul) por tropas paraguaias.
A Madeira-Mamoré nasceu do Tratado de Petrópolis, de 1903, assinado por Brasil e Bolívia. O país vizinho precisava de uma saída para o mar, uma vez que perdeu seu litoral no Pacífico para o Chile, na guerra que ao lado do Peru travou contra os chilenos entre 1879 e 1883. Havia animosidade entre La Paz e o Rio de Janeiro pela recente anexação do Acre pelas forças do gaúcho Plácido de Castro. A diplomacia tratou de contornar a situação propondo a ferrovia, pela qual os bolivianos chegariam a Porto Velho, e dali, pelos rios Madeira e Amazonas, ao oceano, num corredor isento dos controles alfandegário e tributário brasileiros. De Guayaramerín, a cidade boliviana na fronteira ao lado de Guajará-Mirim, a Porto Velho, a navegação comercial era impraticável em razão de cachoeiras no rio Madeira.
Percival Farquhar, poderoso empresário e político americano, construtor da Madeira-Mamoré, se encantou com a obra de Rondon e a divulgou nos Estados Unidos. Assim, o filho ilustre de Mimoso se tornou conhecido, respeitado e admirado naquele país, a tal ponto, que o ex-presidente Theodore Roosevelt veio ao Brasil em 1913 para conhecer a misteriosa Floresta Amazônica e seu guia não foi outro, senão, o militar mimoseano.
De volta ao seu país, Roosevelt percorreu cidades proferindo palestras sobre sua expedição com Rondon. Numa delas emoldurou o perfil de seu anfitrião, “A América pode apresentar ao mundo duas realizações ciclópicas: ao Norte a abertura do Canal do Panamá; ao Sul, o trabalho de Rondon – científico, prático e humanitário”.
O nome de Rondon crescia nos Estados Unidos e a Sociedade de Geografia de Nova York escreveu com letras de ouro maciço, seu nome no livro dos cinco grandes exploradores mundiais, grupo formado por ele; o norueguês Roald Amundsen; os americanos Richard Byrd e Robert Peary; e o francês Jean-Baptiste Charcot.
Herói para os americanos, mas vilão na Inglaterra. Escritores e tabloides ingleses criaram animosidade com Rondon em razão da aversão que o explorador, arqueólogo e coronel britânico Percy Harrison Fawcett nutria por ele. Em 1925 Fawcett partiu de Cuiabá e desapareceu no Vale do Araguaia, quando em companhia do filho Jack procurava uma suposta civilização que viveria sob a Serra do Roncador naquela que seria a Cidade Z.
O último registro sobre Fawcett foi em Cuiabá. Os ingleses à princípio queriam formar uma expedição em sua busca, mas entenderam que o mistério de seu desaparecimento seria lucrativo, ao passo que sua ossada, caso fosse encontrada, não renderia nada. Fawcett inspirou George Lucas e Steven Spielberg a criarem o personagem Indiana Jones, interpretado nas telas por Harrison Ford.
Fawcett teria inveja do Herói Mato-grossense, desde antes de seu espaço conquistado na imprensa americana. Contratado pelo governo boliviano para demarcar sua fronteira com o Brasil, o inglês viu a oportunidade de desqualificar o trabalho do militar nascido em Mimoso, mas seus teodolitos não encontraram um centímetro sequer de erro nos marcos colocados por Rondon.
A animosidade de Fawcett com Rondon chegou ao Prêmio Nobel da Paz. Em 1957 o The Explorers Club, de Nova York, indicou o mimoseano ao Nobel, mas a influência inglesa naquela premiação o desqualificou.
No Brasil, a classe política dominada pelo famoso Café com Leite – paulistas e mineiros – e em segundo plano por gaúchos e nordestinos procurou mantê-lo à distância. Na Revolução de 1930, por oposição ao golpe de estado, foi preso em Marcelino Ramos (RS) pelo general Miguel Costa, comandante da Coluna Miguel Costa/Prestes.
Em liberdade, Rondon era um peso para a ditadura Vargas e, na tentativa de desqualifica-lo perante a população o ditador Getúlio Vargas o nomeou negociador perante o Peru e a Colômbia, que travaram guerra entre 1932 e 1934 pela posse da cidade colombiana de Letícia. Vargas apostava no fracasso do general Rondon, mas ocorreu o contrário. Rondon foi ouvido pelos dois países.
Com a paz restabelecida Rondon voltou ao Rio de Janeiro, onde morava e desfilou em carro aberto pela Avenida Atlântica sob chuva de papel picado. O tiro imaginado pelo governante saiu pela culatra.
General de divisão da reserva remunerada do Exército, Rondon estava fadado ao esquecimento, mas a mão amiga de um irmão de farda e patente, José de Lima Figueiredo, o retirou das trevas e o colocou no lugar que a história escrita pela classe política lhe reservava.
Lima Figueiredo era general de divisão, foi observador militar da guerra sino-japonesa (1931/37), adido militar em Tóquio e sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso. Político, Lima Figueiredo se elegeu deputado federal pelo PSD de São Paulo e em 1951 apresentou um projeto de lei pedindo a promoção do general de divisão reformado Cândido Mariano da Silva Rondon a general de exército, e consequentemente por sua condição de general de exército reformado, a marechal de campo.
Câmara e Senado aprovaram a propositura do deputado Lima Figueiredo, o presidente Café Filho a sancionou em 27 de janeiro de 1955 e Mimoso ganhou seu primeiro e único marechal.
Em 17 de fevereiro de 1956 o presidente Juscelino Kubitschek sancionou a lei que mudou o nome do Território Federal do Guaporé para Rondônia, em homenagem a Rondon. Esse reconhecimento partiu do deputado federal Áureo de Mello (PTB) do Amazonas, que conhecia a obra do militar e sertanista. Mello era advogado, jornalista e escritor.
Estendendo linhas telegráficas, amparando povos indígenas, demarcando fronteiras e promovendo a interiorização e integração nacional Rondon permanecia por longos períodos longe de sua mulher Francisca Xavier, com a qual se casou em 1º de fevereiro de 1892, no Rio de Janeiro. O casal Rondon residiu em Cuiabá e teve sete filhos: Araci Heloísa, Marina Sylvia, Benjamin Tito Bernardo, Beatriz Emília, Branca Luiza, Clotide Thereza e Maria.
OBRA – Catalogar a obra de Rondon é o mesmo que mostrar a interiorização do Brasil e a criação de mecanismo em defesa dos povos indígenas. Sua obra imensurável e realizada em relativo curto espaço de tempo, num período desprovido de tecnologia, é um grande capítulo da construção do Estado Brasileiro.
Em Mato Grosso, graças aos postos telegráficos instalados por Rondon, surgiram cidades a exemplo de Rondonópolis. Seguindo o trajeto das linhas telegráficas o governo construiu a BR-364 entre Cuiabá e Porto Velho, via Diamantino, Chapadão do Parecis, Vilhena (RO) e Ariquemes (RO).
Ainda relativo aos interesses mato-grossenses foi Rondon quem delimitou a divisa com o Pará, mas que Mato Grosso não soube assegurar, por ausência do Estado na área, o que resultou numa ação do vizinho paraense, no Supremo Tribunal Federal, que em 29 de maio de 2020, por unanimidade, deu aos paraense a titularidade da área de 22 mil km² em disputa.
Filho nascido após a morte do pai, em Mimoso, uma vila à margem da Baía de Chacororé, no Alto Pantanal, à época município de Cuiabá e agora pertencente a Santo Antônio de Leverger. Órfão de mãe aos 2 anos. Aluno matriculado no Liceu Cuiabano na pequena capital mato-grossense isolada do país na segunda metade do século XIX. Em 1879 formou-se e foi nomeado professor primário. Em novembro de 1881, abandonou a profissão de professor e se inscreveu como voluntário no 3º regimento de Artilharia a Cavalo. De março de 1883 a dezembro de 1884 fez o curso preparatório da Escola Militar, no Rio de Janeiro. Em 1885 matriculou-se no curso de Cavalaria e Infantaria. Em 1888 bacharelado em Ciências Físicas e Naturais e com a patente de segundo tenente, Rondon se juntou a Benjamin Constant para o golpe republicano que derrubou Dom Pedro II criando a República. Rondon se tornou seguidor de Benjamin Constant e adepto do positivismo que seu inspirador adotava.
Rondon semeou brasilidade fora e dentro das aldeias indígenas. Criou o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), embrião da Funai. Construiu mais de cinco mil quilômetros de linhas telegráficas. Demarcou fronteira. Descobriu e nominou rios e serras. No entorno de seus postos telegráficos surgiram cidades e atividade agropecuária. Despertou o Brasil litorâneo e em Minas Gerais para a interiorização.
Mimoso sempre foi uma saudade constante para Rondon, que mesmo ausente assistia seus moradores e aos quais doou à Escola Santa Claudina. Sua vida foi um raio de luz sobre a vasta região amazônica, que consolidou sua nacionalidade graças a integração que os fios do telégrafo proporcionaram. Era o Brasil falando com o Brasil no Brasil.
O ciclo da vida de Rondon passou entre 5 de maio de 1865 e 19 de janeiro de 1958. Ficaram seus exemplos de conduta na vida pública sem que jamais houvesse suspeita de desvio de um centavo dos recursos destinados às obras que executava.
Descanse em paz Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon. O Brasil se orgulha de seu trabalho e muito mais orgulhosa ainda é Mimoso, onde os moradores e as águas da Baía de Chacororé fazem reverente silêncio para ouvirem o João de Barro sobre o ombro de sua estátua entoar um cântico de gratidão a Deus por sua passagem pela Terra.