Rondonópolis, uma flor do Lácio

Hermélio Silva*

 

No livro “Tarde”, publicado em 1919, um ano depois da morte do autor e poeta Olavo Bilac, foi publicado o soneto “Língua Portuguesa”. Eu imagino que o autor estava num dia inspiradíssimo, e brincava com a nossa língua-mãe, o latim vulgar.

Quatro anos antes, no dia 10 de agosto, foi promulgado o Decreto-Lei nº 395, que estabelecia uma reserva de 2.000 hectares para o patrimônio da povoação do rio Vermelho, por Joaquim da Costa Marques, presidente do Estado do Mato Grosso, cargo de governador naquele tempo.

E um ano antes da inspiração do soneto, o ainda tenente Otávio Pitaluga concluiu o projeto de urbanização da cidade, e foi o responsável pela mudança do nome do povoado para Rondonópolis, em homenagem ao sertanista Cândido Mariano da Silva Rondon, à época. Trinta anos depois, o agrimensor Domingos de Lima usou o projeto de Otávio Pitaluga para traçar o belo quadrilátero central da cidade.

Voltando a 1920, temos a informação de que Rondonópolis passou a ser distrito de Santo Antônio do Leverger. No início dessa década, a cidade teve problemas de enchentes, epidemias e desentendimentos entre os moradores, um momento muito difícil e de incertezas, agravado com a descoberta de garimpos de diamantes na região de Poxoréu, fato que levou moradores para aquele sonho brilhante. Rondonópolis despovoou, enquanto nossa cidade vizinha foi elevada a município em 1938, tendo Rondonópolis como seu distrito.

O carioca Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac, invocou no seu texto:

“Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura;
Ouro nativo, que, na ganga impura,
A bruta mina entre os cascalhos vela…”

Ah Bilac, se soubesse como dói reler o soneto “Língua Portuguesa”, quando eu estou assistindo aqui nas plagas de Rondon. Às vezes, acho que estou numa cidade provinciana, onde as pessoas se sentam à porta da sua moradia, no fim da tarde, em suas cadeiras de fio, jogando conversa fora ou tomando chá com bolinho de chuva, noutras, me vejo dentro da bolha paulista, onde parece que todos correm para tirar o cânhamo do pescoço de alguém muito importante. Em dado momento, paramos tudo e vamos degustar o atualíssimo e importado chimarrão ou tereré. Rondonópolis é como o esplendor setentona e ou sepultura de sonhos, mas ainda assim, como a última flor do Lácio, agora, apesar de ainda ser: inculta, rica e bela.

Profícuo intelectual, o membro fundador da Academia Brasileira de Letras, Olavo Bilac, cultuou:

“Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!”

Rondonópolis “fênixou”, de novo, pois de 1930 a 1947 a cidade continuou despovoada. Entretanto, em 1947, retomou seu rumo futurista e sonhador, como fronteira agrícola mato-grossense.

Veio a emancipação política em 10.12.1953, tendo sido o primeiro prefeito nomeado, o senhor Rosalvo Fernandes Farias. Depois, o primeiro prefeito eleito foi o senhor Daniel Martins Moura. Essa década foi de crescimento econômico através do campo. Período de migração de mato-grossenses, nordestinos, paulistas, mineiros, japoneses e libaneses. Já, na década de 1970 aconteceu a modernização do campo, com a descoberta da possibilidade de plantações da soja, demandas importantes da pecuária e do comércio, com grande migração de sulistas.

Em 1958, a cegonha me trouxe no bico para cá, e a cidade já tinha quase cinco anos de idade. Minha amada, saudosa e finada mãe, Nilza Marinho da Silva, confirmou que tinha uma venda na frente da residência com o pomposo nome de Cruzeiro do Sul, onde vendiam de tudo, e serviam marmitas para a comunidade, principalmente para os feirantes da praça dos Carreiros, ali do lado, pois moravam na sobre esquina da avenida Marechal Rondon com a rua Rio Branco. O baiano de Casa Nova, Hermenegildo Silva, e a minha mãe, mineira de Januária, se encantaram aqui e com a nossa terra, e logo minha mãe trocou o Costa por Silva. Eu cheguei e me colocaram um nome incomum, e minha genitora afirmava que, ainda com as dores do parto, ouvia os fogos da comemoração da eleição do novo prefeito eleito, que um dia haverei de pesquisar quem é ou quem foi. E depois, veio o meu irmão mais novo e mais inteligente, Hermelindo Silva.

Eis mais uma pérola bilaquiana:

“Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceanos largos!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,”

Demonstrar o amor por Rondonópolis me é patente, pois por várias oportunidades me ausentei dela por diversos motivos. Mas quando me perguntam onde nasci, crio um enredo e gesticulo para dizer que: “Nasci na melhor cidade do estado de Mato Grosso, bem na praça dos Carreiros, e fui recebido pelas mãos da parteira, dona Paraguaia”.

Retornei ao meu torrão, em 1978, pois havia passado a infância e a juventude em Minas Gerais e na Bahia, desde 1964. Viajei noutras vezes, quando rodei um pedaço do mundo, e retornei à minha amada Rondonópolis, por último, em 2011, pois aqui é o meu lugar, e não quero mais trair meu município, como um lesa-pátria. Entrevistei mais de 400 personalidades, e pesquisei muito sobre minha terra. Além disso, publicitei bastante a seu respeito. São publicações que vão ficar para o tempo, como objetos de pesquisas e estudos, e ou para abastecer as prateleiras literárias da nossa terra, esperando que uma lufada de vento não os leve.
O progresso é latente por aqui, anda na velocidade máxima. Como diriam os motoqueiros, motociclistas e pilotos de motocross, no “12”. Tudo é vultoso, como é vultuoso o rosto dos povos originários, que aqui estão há muito mais tempo do que eu, e vejo também que estão muito mais reconhecidos que outrora. Até quando pesquisamos a seu respeito nos anais da história, e claro, com assessorias profissionais, que colocá-los-ão em melhores patamares, porque se nota a preocupação atual em dar cidadania a esse nosso povo. Felicíssimo estou em saber que o meu amigo indígena Bóe Bororo, que é o representante da cultura na Aldeia Tadarimana, Bosco Arquimedes Marido Kurireu, que acabou de chegar da França e quer trocar umas ideias comigo.

E o Príncipe dos Poetas Brasileiros de 1907, concluiu sua divagação:

“Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!”

O trem veio em 2013, o bitrem continua, a soja perpetua e enriquece, o gado alavanca, os serviços são bons, a estrutura se ajeita e o futuro é promissor. Filhos, netos, bisnetos e por aí afora hão de continuar sendo entregues pela moderna cegonha, revigorando a jovem setentona.
Por fim, registro aqui que, na minha prole, já existe até neto rondonopolitano.

É isso!

Tarde de 04.12.24 – Hermélio Silva.

Fonte:

SILVA, Hermélio. Cerimonial: não tenha medo! – Rondonópolis, MT: Edição do Autor, 2014.

TESORO, Luci Léa Lopes Martins. Rondonópolis-MT: um entroncamento de mão única – O processo de despovoamento e de crescimento de Rondonópolis na visão dos pioneiros (1902-1980). São Paulo, LLLMT Editor, 1993.

*Hermélio Silva é escritor membro e fundador da Academia Rondonopolitana de Letras, jornalista, cerimonialista e profissional de marketing

Foto: Cesar Augusto

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