Toga e voto formam uma dobradinha bem estranha em Mato Grosso, onde desde a redemocratização em 1985 somente um magistrado foi eleito: o desembargador do Tribunal de Justiça, Oscar Travassos, venceu a eleição para deputado federal em 1990, mas durante dois anos e quatro meses ficou fora da Câmara para exercer o cargo de secretário de Segurança Pública no governo de Jayme Campos. É nesse cenário, também árido para candidatas, que a juíza de direito aposentada Selma Rosane Santos Arruda está em campo aplainando seu caminho ao Senado nessa fase pré-eleitoral onde quase tudo é proibido pelo preciosismo da lei. Na condição de pré-candidata Selma vira os 141 municípios mato-grossenses ao avesso na esperança de ser a segunda senadora pela Terra de Rondon, que ela adotou em 1986, quando deixou seu Rio Grande do Sul, berço também da nossa primeira senadora, Serys Slhessarenko (2003/10).
Caminho de sonhos. Rota terrestre preferencial para quem troca o Sul pelo horizonte que se descortina no coração do continente, a BR-163 também abriu passagem pra Selma rumo a Rondonópolis, onde advogou por mais de 10 anos. Naquela cidade ela e seu marido Norberto Arruda viveram muitos momentos felizes, sendo que três foram diferentes e muitos especiais: o nascimento dos filhos do casal Arruda.
A magistratura não foi um passe de mágica: nasceu de uma conquista resultante de muita luta. A primeira comarca foi Alta Floresta, na divisa com o Pará, no Nortão, em 1997; a região enfrentava seu mais dramático momento social e econômico com a drástica redução do garimpo de ouro poucos anos antes. Boa parte de seus 41.301 habitantes estava à deriva, com o estrangulamento da atividade garimpeira. Multidões tentavam sair em busca de garimpos no Pará ou para percorrerem em direção oposta o caminho que os levou até lá. A criminalidade tinha índices assustadores e o descontrole social espalhava-se pelo polo de (Alta) Floresta em Carlinda, Apiacás, Paranaíta, Nova Monte Verde e Nova Bandeiras. Para se imaginar o que acontecia basta citar em 1995 a população do município era de 79.591 residentes e que a região mergulhava no êxodo demográfico de origem econômica criando com essa realidade o caos que ainda tinha o componente do vácuo do Estado em muitas esferas.
Uma lição de vida a jovem juíza levou consigo na mudança de Floresta para sua nova comarca, Nobres, que desde sua fundação é uma ilha de calmaria. De lá para Poxoréu, em nome de uma promoção, cumpriu mais uma fase de sua existência.
Na comarca de Poxoréu Selma também encontrou ambiente de garimpo em exaustão, mas diferente do primeiro. Agora ela se deparava com ex-garimpeiros de diamantes, cujo perfil difere daquele dos que garimpam ouro. Em Poxoréu não havia a violência de Floresta. Ao contrário, animados garimpeiros remanescentes ainda teimavam em lavar o chão dos cabarés da famosa Rua Bahia com cerveja. Mesmo sem os estragos feitos por trabucos, a exemplo do que acontecia no Nortão, o município tinha um quê desafiador para a magistratura: a luta pela posse da terra oriunda da balbúrdia agrária.
De Poxoréu a juíza foi para Cáceres, o polo dos cinco municípios (Poconé, Cáceres, Porto Esperidião, Vila Bela da Santíssima Trindade e Comodoro) que fazem uma fronteira com 983 quilômetros (730 quilômetros por linha imaginária) com a Bolívia. Tudo que se possa imaginar sobre crimes transnacionais passa pelo crivo da justiça cacerense. O nome de Selma, por sua obstinação em cumprir a lei, passou a constar nas listas não recomendáveis de barões do tráfico e de policiais envolvidos com o narcotráfico. Sem medo, a magistrada permaneceu na cidade, onde praticava uma das coisas que mais gosta: pescaria. Entre uma fisgada e outra, Selma foi se encantando com a beleza do lendário rio Paraguai que passa ficando na Terra de Albuquerque e quando se deu conta estava apaixonada por aquelas “Águas tão serenas /” como disse o compositor e acordeonista ítalo-brasileiro Mário Zan em sua imortal “Chalana”.
Várzea Grande e a atuação em outros estados por designação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) somaram-se ao seu currículo, que foi coroado com a 7ª Vara Criminal de Cuiabá, onde certa vez ao se referir ao ex-deputado estadual José Riva disse que ele era, “um ícone da impunidade e da corrupção”.
Riva, o ex-governador Silval Barbosa e seu secretário Pedro Nadaf foram presos por ordem de Selma. Não faltaram maledicentes dizendo que a juíza tinha a mão pesada somente sobre o grupo político de Silval. Quando o escândalo da roubalheira na Secretaria de Educação (Seduc) no governo Pedro Taques foi descoberto o Ministério Público pediu a prisão do secretário da Seduc, Permínio Pinto, e ela o acolheu. Permínio foi para trás das grades.
Serena, firme e muito produtiva Selma escreveu uma importante página da magistratura mato-grossense num momento em que o Judiciário precisava de visibilidade, uma vez que ainda sangrava com o episódio da aposentadoria compulsória que nasceu de decisão unânime do CNJ e atingiu três desembargadores e sete juízes envolvidos com uma cooperativa de crédito do Sicoob no episódio que ficou conhecido como “Escândalo da Maçonaria”. Selma cumpriu a lei, mas paralelamente lançou um forte vento que dissipou a nuvem da desconfiança popular que pairava sobre o Tribunal de Justiça e que era palpável, ainda que a magistratura não admita tal fato e a população tema em sustenta-lo abertamente.
Nas veias de Selma nunca correu sangue político, como ela explica, “nunca fui militante política, aliás, tinha uma certa aversão ao assunto, porque não entendia a diferença entre política verdadeira e politicagem, coisa que só fui compreender ao final da minha carreira”.
Acho que “compreender” é pouco. Creio que Selma pegou gosto, teve nova recaída amorosa como fez com o rio Paraguai e seu coração disparou apaixonado. Ou uma coisa ou outra. Ela optou por aquilo que julgou melhor – sem trocadilho – ficando com o palanque que poderá ser conexão para leva-la a Brasília enquanto senadora por Mato Grosso.
Política não se faz sem partido. Selma botou o jamegão no PSL do deputado federal Jair Bolsonaro, que disputa a Presidência com chance real de eleição. Sua opção por Bolsonaro? “Penso que se trata de uma pessoa honesta, nunca envolvido com corrupção, que tem vontade de mudar esse País. Embora não concorde com algumas opiniões dele, penso que será a melhor escolha em outubro, desde que tenha base parlamentar que o apoie”. Óbvio que ela não disse, mas está tão claro quanto as águas do seu rio Paraguai, que sonha com o plenário de onde poderá defender o valente capitão.
Plataforma parlamentar Selma ainda não divulgou, mas numa abordagem sobre o que poderia ser feito no Senado, disse que, “é possível mudar completamente a história deste Estado, principalmente modificando a legislação tributária, que é absolutamente injusta e castiga demais quem produz, o que afasta investimentos externos e emperra o desenvolvimento. No mais, é possível, sim, legislar para conter a violência, que está insuportável e vergonhosa, com as leis funcionando como estímulo à impunidade. Além disso, claro, o combate à corrupção, não apenas modificando a legislação, mas também reformulando a estrutura do Estado. O Senado exerce um papel fiscalizador essencial para a erradicação da corrupção”. Com esse discurso, qual a recepção ao seu nome? – pergunto, “Meu nome tem sido muito bem recebido pelas pessoas, graças a Deus. O povo compreende que somente pessoas honestas, incorruptíveis e corajosas podem mudar o Brasil”, resume.
Sem medo de enfrentar a filosofia do “politicamente correto” Selma não mede palavras ao levantar bandeira pelo direito do cidadão portar arma em sua defesa e a de seus familiares. Essa coragem levou a esquerda festiva mato-grossense a ironizar aquilo que seria sua chapa ao Senado: Selma e os suplentes Smith & Wesson.
O nome de Selma identifica-se com o de Bolsonaro em Mato Grosso, onde a chamada direita sempre surrou Lula e Dilma nas quatro disputas presidenciais vencidas nacionalmente pela dupla petista. Bolsonaro tem uma legião de admiradores por todos os cantos, por seu discurso moralizador e de combate aos bandidos e corruptos do colarinho branco. A juíza que trocou a toga pela política é vista com os mesmos olhos. Pode ser que em nome do remédio amargo tão esperado pelo Brasil, Mato Grosso dê uma votação consagradora a Bolsonaro e eleja Selma senadora – Smith & Wesson à parte ou quem sabe se também graças a eles.
Eduardo Gomes/blogdoeduardogomes
FOTOS: Dinalte Miranda em Arquivo
Capítulos anteriores;
1 – PPP Caipira nasce da ousadia de Pivetta
2 – Suplente de última hora chega ao Senado
3 – Riva mesmo caido derrota Taques
4 – Páginas da vida
5 – Leitão, o único preso entre os pré-candidatos ao Senado e governo
6 – Carona na Arca de Noé
7 – O dedo de Kassab
8 – Taques e o cadeado na hidrovia
9 – Escândalos tomam discurso moralista de Pedro Taques
10 – O temperamento de Jayme Campos.
11 – Rossato, político profissional que diz não ser político.