Só diversão com a bola

Nos velhos e bons tempos do futebol amador de Mato Grosso, jogar bola era simplesmente uma diversão. Por isso, os jogadores, mesmos os mais consagrados craques, não se importavam de viajar horas seguidas sobre a carroceria de um velho caminhão para exibir sua arte nos mais distantes cafundós dos judas…
As viagens eram muito divertidas. Nos períodos de chuvas mais intensas, com as estradas precárias de Mato Grosso, a delegação sabia quando saía para jogar em algum lugar, mas o retorno só Deus poderia prever. Mesmo assim, os jogadores não se preocupavam com a volta, porque naqueles tempos – bons tempos – chovia emprego para todo mundo, mesmo que o trabalhador não fosse mão de obra qualificada.
Como ninguém ganhava salário para jogar bola, os jogadores – salvo raras exceções – não tinham lá muita responsabilidade com os clubes. E muitos boleiros – como acontecia no Araguaia Esporte Clube – se não fossem bem vigiados, bebiam e muito, até às vésperas de jogos importantes.
O autor
Uma vez, o AEC veio disputar uma partida importante em Cuiabá. No fim da tarde, dirigentes do “Panterão” descobriram que alguns jogadores, entre eles Escovinha e Viadinho, estavam num entra e sai do hotel que não acabava mais.
Resolveram averiguar o que estava acontecendo. Andaram por bares que não ficavam muito distantes do hotel, mas nada de encontrar a dupla, que era muito chegadinha numa birita. E não iam encontrar mesmo, porque Viadinho e Escovinha estavam bebendo num bar do prédio do hotel onde ninguém ia suspeitar que os dois poderiam estar…
Numa das frequentes viagens do “Panterão”, os jogadores Tão e Zé Carlos, cuja feiúra extremada lhe valeu o apelido de “Rascunho”, iniciaram uma acirrada discussão a respeito de futebol, com cada um tentando impor seu ponto de vista para impressionar a galera da carroceria.
A certa altura, Tão virou-se para Rascunho e lhe disse com ar de desdém: “Você não tem bagagem para discutir comigo…”
– Não tenho? Pois olhe aqui minha bagagem… – disse Rascunho, puxando de debaixo do banco da frente uma mala de carregação de fibra cheia de roupas…
Reproduzido do livro Casos de todos os tempos Folclore do futebol de Mato Grosso, do jornalista e professor de Educação Física Nelson Severino