65 ANOS – Soja muda perfil econômico da região

O reino da leguminosa soja

O reino da leguminosa soja

Nesse 10 de dezembro Rondonópolis celebra 65 anos de emancipação

 

Com a soja a economia do polo de Rondonópolis mudou, como parte de um novo ciclo de desenvolvimento nacional, que deslocou a força econômica rural do Sul e Sudeste para o Centro-Oeste. Esse fenômeno foi puxado pela soja. Sua cadeia é quase universal naquela cidade, pois além dos grãos, farelo e outros produtos diretos, essa leguminosa arrasta a ferrovia, transporte rodoviário, lojas de vendas de veículos, oficinas, tratores, aviação agrícola, setor imobiliário urbano, movimentação em supermercados e drogarias etc. Essa presença na região é recente: começou em 1973, com o gaúcho Adão Riograndino Mariano Salles, na fazenda São Carlos, naquele município,  quando a soja era tão estranha para ele quanto para Rondonópolis. Lançando mão de cultivares adaptados aos Estados Unidos, Adão Riograndino venceu apesar dos revezes que enfrentou.

Na fase embrionária do cultivo os canteiros de Adão Riograndino – com produtividade perto de zero e cultivados praticamente sem nenhuma tecnologia – viraram lavouras. Ultrapassaram as divisas de sua propriedade, se espalharam pelo município, por Itiquira, Jaciara, Alto Garças, por Mato Grosso. A soja também foi lavoura dos antigos moradores, porém sua base de produção nos primeiros anos era calcada nos agricultores que se mudavam para Mato Grosso em busca de áreas para plantá-la.

Longe das lavouras a soja foi fator de miscigenação, de mudança cultural, de melhoria da qualidade de vida na região dominada pela pecuária controlada por grandes pecuaristas. No rastro dos tratores vilas surgiram, cresceram e viraram cidades, como aconteceu em Sorriso (85.815 habitantes),  Lucas do Rio Verde (63.411), Primavera do Leste (61.038), Nova Mutum (43.919), Campo Verde (42.871), Campo Novo do Parecis (34.558), Paranatinga (22.246), Canarana (21.311), Querência (17.914) e outras . Até uma cidade nasceu dessa leguminosa: Sapezal (25.054 habitantes), fundada no Chapadão do Parecis pelo empresário e colonizador André Antônio Maggi, que foi o primeiro prefeito do lugar.

Hélio Garcia em 1969

A soja que chegou com Adão Riograndino, no grande ciclo migratório iniciado em 1970 e teve papel importante na interiorização do Brasil e ocupação do vazio demográfico amazônico e do Centro-Oeste. Ela conseguiu uma proeza interessante: dividia o Sul entre os que vinham para Mato Grosso e os que ficavam em seus lugares de origem, mas sonhando com a abençoada e ensolarada Terra de Rondon.

O tabelião e pecuarista Hélio Cavalcante Garcia, natural de Cáceres, foi o último prefeito antes das grandes levas migratórias de sulistas em busca de áreas para o cultivo mecanizado. Seu slogan era bem destacado nas tampas traseiras dos caminhões basculantes da prefeitura: “ESTAMOS TRABALHANDO”; cumpriu mandato manga curta entre 31 de janeiro de 1967 a 30 de janeiro de 1969.

Zanete Cardinal em 1973

Afilhado político do então governador Pedro Pedrossian, o engenheiro civil e pecuarista gaúcho Zanete Ferreira Cardinal substituiu Hélio e também foi prefeito manga curta no triênio de 31 de janeiro de 1970 a 31 de janeiro de 1973.

Em 1970 Zanete reuniu um grupo de companheiros políticos, amigos e funcionários da prefeitura para comemorar uma grande conquista de Rondonópolis: a população rondonopolitana rompeu a casa de 50 mil e cravou 50.594 habitantes. A festa foi no Bar do Davi, na esquina da Avenida Amazonas com a Rua 13 de Maio, animada pelo maestro Marinho Franco com seu inseparável saxofone. Hoje a população saltou para 228.857 rondonopolitanos.

A ligação asfáltica de Rondonópolis com Goiânia (BR-364), Campo Grande e Cuiabá (BR-163/364/070) aconteceu quando Zanete era prefeito. Com o asfalto a cidade ganhou ainda maior impulso. A 163 está duplicada entre Rondonópolis e a divisa com Mato Grosso (120 quilômetros) e em duplicação de Rondonópolis a Sinop, via Cuiabá, num trajeto de 730 quilômetros.

Esmagamento de soja

Na cidade as mudanças eram visíveis, mas a verdadeira revolução estava no campo, onde tratores de pneus derrubavam o cerrado abrindo áreas para o cultivo do arroz, que “amansava” a terra para o cultivo da soja. Da fazenda São Carlos a soja avançou por todos os lugares e numa rapidez assustadora. Em 1980 a safra mato-grossense da leguminosa alcançou 128 mil toneladas (t) e em 2018 chegou a mais de 31 milhões/t.

O cultivo crescia, ganhava produtividade e permitia que numa mesma área fossem semeadas duas lavouras sendo uma na safra principal e outra na safra de verão ou Safrinha. Rotação de cultura, plantio direto, maior eficiência dos defensivos, ciência agronômica de ponta descobrindo novos cultivares e outros fatores mudaram o perfil econômico mato-grossense, e claro, o do polo de Rondonópolis.

Com a expansão das lavouras chegou a agroindústria. Além disso, o empresariado do setor descobriu que era mais barato produzir próximo às lavouras do que transportar as commodities in natura para Santa Catarina, São Paulo ou Paraná – essa visão foi compartilhada por grandes grupos empresariais que abatem suínos, bovinos e aves. Com isso surgiu novo nicho econômico: transformação de proteína animal em proteína vegetal nas granjas suínas, confinamentos e aviários

Fábrica de cerveja

Rondonópolis recebeu bom parque agroindustrial. Sua produção é diversificada, a exemplo da fábrica da Cervejaria Petrópolis, que produz a marca Crystal para os mercados mato-grossense, rondoniense, acreano e outros. Na região, Primavera do Leste também é destaque na agroindústria.

A explosão industrial rondonopolitana e seu perfil exportador reforçam sua vitalidade econômica. O município tem seis distritos industriais incluindo o Complexo Intermodal de Rondonópolis (CIR) ao lado do terminal de embarque/desembarque da Rumo ALL. Em 2017 a exportação do município alcançou US$ 1,021 bilhão (FOB), a importação foi de US$ 668,9 milhões (FOB) e o superávit da balança comercial cravou US$ 352,1 mi. O Complexo Soja lidera o ranking das vendas externas que se completam com o algodão, milho e carnes desovados para dezenas de países de todos os continentes. No sentido inverso a cidade recebe aviões agrícolas, tratores, implementos agrícolas, agroquímicos, adubos etc.

Rondonópolis é um dos principais polos nacionais de esmagamento de soja e de produção de óleo de soja. Seu parque industrial é o maior de Mato Grosso. O diamante mais cobiçado mundialmente é extraído em Poxoréu. Seu polo produz etanol, biodiesel, calcário, extrai ouro e diamante, gera energia de origem hidráulica; a agricultura é uma das mais avançadas do mundo e a pecuária bovina é de ponta. A Exposul, em Rondonópolis, e a Farm Show, em Primavera do Leste, são duas das maiores feiras agropecuárias do Centro-Oeste.

A expansão da lavoura sempre foi associada aos mecanismos da ciência agronômica, a começar pela boa semente. Nos anos 1970, o produtor rural enfrentava dificuldades para comprar semente certificada e de boa qualidade, o que acabava por torná-lo presa fácil dos vendedores das “bolsas brancas” de triste memória – essa bolsa era o nome dado à semente ensacada, sem procedência identificada na embalagem. Essa situação em 1980 motivou um grupo de empresários rurais do polo de Rondonópolis a mais um desafio: a criação da Associação dos Produtores de Sementes de Mato Grosso (Aprosmat), que por meio de seus associados passou a responder por praticamente todo o mercado sementeiro no Estado.

A Fundação de Apoio à Agropecuária em Mato Grosso (Fundação MT), com sede em Rondonópolis, foi criada em 1992 por um grupo de 23 empresários rurais visionários. Essa instituição virou referência mundial na pesquisa agronômica da agricultura tropical no cerrado. Daquela cidade a instituição estendeu sua presença a todos os municípios mato-grossenses. Campeão Nacional do agronegócio Mato Grosso deve muito ao binômio Aprosmat e Fundação MT.

Região dos Altos de Vila Aurora

Uma das maneiras  para se avaliar a força econômica do município é seu Produto Interno Bruto (PIB), que em Rondonópolis é de R$ 8,358 bilhões – o segundo de Mato Grosso. A renda per capita é de R$ 36.102,58. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) aferido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) aponta que Rondonópolis alcançou 0,755 numa escala de zero a um. No ano passado, a prefeitura executou um orçamento de R$ 674,4 milhões.

TREM – Impulsionado pelo agronegócio, que lutava por uma ferrovia para o porto de Santos,  o trem apitou pela primeira vez em Mato Grosso, na cidade de Alto Taquari, em 1999. Naquela localidade foi construído um terminal da então ferrovia Ferronorte, com trajeto de 1.310 quilômetros até Santos. O evento foi prestigiado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e os governadores Zeca do PT (MS) e Dante de Oliveira.

Em 2003 o presidente Lula da Silva cortou a fita simbólica para a chegada do primeiro comboio a Alto Araguaia, numa solenidade com a participação dos governadores Zeca do PT e Blairo Maggi.

Em junho de 2012 o governador Silval Barbosa inaugurou o terminal ferroviário em Itiquira.

A ferrovia avançou até Rondonópolis, aonde o primeiro comboio chegou no dia 19 de dezembro de 2012, mas a inauguração do Complexo Intermodal de Rondonópolis (CIR) pela presidente Dilma Rousseff e Silval somente aconteceu em 19 de setembro de 2013. Rondonópolis, distante 1.660 quilômetros de Santos, é o ponto mais ao norte dos trilhos no Estado.

Carretas num posto em Rondonópolis

Com o apito do trem Rondonópolis virou ponto de transbordo do modal rodoviário para o ferroviário e vice-versa, criando o modal rodoferroviário. Isso deu impulso à frota de veículos pesados. Segundo o Departamento Estadual de Trânsito (Detran) a frota municipal fechou 2017 com 168 mil carros e motos de diversas cilindradas. Os veículos de cargas somam 21.500 incluindo os reboque e caminhões.

A frota pesada quando está na estrada ocupa pátio de postos à margem das rodovias federais 163 e 364, mas é mantida afastada da área urbana. A esses veículos somam-se milhares de outros licenciados fora do município, que para lá são levados durante o pico da safra para trabalharem no transporte de grãos e plumas de algodão. Além deles, transportadoras instaladas em Jaciara, Lucas do Rio Verde e diversas outras cidades também atendem ao modal rodoferroviário que alimenta o trem da Rumo ALL, para Santos, ou prosseguem até o porto de Paranaguá (PR) pela BR-163 em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

BR-163 em Rondonópolis rumo Mato Grosso do Sul

MOEDAS  – No passado, o diamante foi moeda corrente em Poxoréu, Guiratinga, Paranatinga, Tesouro e Alto Garças. Com a mudança da matriz econômica a soja assumiu essa condição, inclusive no mercado imobiliário urbano que recebe em sacas de soja por venda de casas, apartamentos e salas comerciais. Automóveis de luxo e caminhões também são comprados com pagamento em soja – é o chamado escambo moderno

INTEGRAÇÃO – Pecuária e agricultura não se chocaram: ao contrário, as duas se completaram. No final dos anos 1980 o Sindicato Rural de Rondonópolis inaugurou o Parque de Exposições Wilmar Peres de Faria, que é um dos melhores do Brasil. Na mesma época o jovem veterinário rondonopolitano Wellington Fagundes instalou em sua empresa, a Agro Boi Produtos Veterinários, naquela cidade, o primeiro laboratório para diagnóstico da anemia infecciosa equina mato-grossense, que à época criava transtornos para pecuaristas pantaneiros.  Sem se afastar da veterinária, Wellington abraçou a política, cumpriu seis mandatos consecutivos de deputado federal e em 2014 foi eleito ao Senado.

 

Eduardo Gomes/blogdoeduardogomes

FOTOS:

1, 5 , 7 e 8  – Eduardo Gomes

2 e 3 – Museu Rosa Bororo

4 e 6 – Matusalém Teixeira