Maria do Socorro Bedas, professora nascida em Tocantins e pioneira na hotelaria em Bom Jesus do Araguaia estava feliz e com motivo de sobra pra comemorar: em fevereiro de 2001, somente ela tinha diploma de curso superior naquele município, instalado no mês anterior. A felicidade ali não era exclusiva de Maria do Socorro. O mineiro de Ituiutaba, Marco Aurélio Fullin (PL), também se desmanchava, afinal ele acabara de ser empossado para cumprir o primeiro mandato de prefeito da cidade.
Naquele fevereiro estive em Bom Jesus, onde entrevistei Maria do Socorro e Fullin, para uma série do Diário de Cuiabá sobre os novos municípios no Vale do Araguaia, material que me levou também a Nova Nazaré, Santa Cruz do Xingu, Santo Antônio do Leste, Serra Nova Dourada e Novo Santo Antônio.
O prefeito Fullin e sua mulher, Luzia Queiroz, ambos de 42 anos, receberam atendimento em Campo Verde, de onde foram removidos para Cuiabá e morreram na sala de cirurgia do Santa Rosa. Ele às 11 horas. Ela, às 12h15. Ambos por politraumatismos, segundo o cardiologista Renato de Melo.
Fullin dirigia uma picape Ranger, de cabine dupla, que seguia no sentido capital-Barra do Garças, na BR-070. Por volta de 7 horas, nas imediações de Campo Verde o veículo capotou várias vezes e passageiros foram arremessados para fora. No local morreram quatro: Marcilene, 19, filha do casal Fullin; Míriam, 3, filha de Marcilene; Maikon Douglas, 6, sobrinho do prefeito; e Tâmara de Oliveira Rosato, 14, que morava com a família Fullin.
Não havia parentes das vítimas no hospital. Na portaria, somente uma assustada funcionária da Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM) e Osmar Kalil Botelho Filho, o Mazinho, que disputou a prefeitura com Fullin. O prefeito de Cuiabá, Roberto França, não deu as caras e o mesmo fez Jayme Campos, que administrava a vizinha Várzea Grande.
Pelo atendimento o hospital pediu um cheque-caução à funcionária da AMM, mas ela não tinha autonomia para tanto. O presidente da entidade, Érico Piana (PFL), prefeito de Primavera do Leste, foi informado, mas argumentou que cumpriria agenda naquele dia em Santo Antônio do Leste, e que em razão daquele compromisso não daria assistência ao caso. Mazinho pegou um talão de cheques e atendeu à exigência, mas com a observação que o mesmo ficasse apenas enquanto garantia porque ele ainda iria providenciar sua
Não conhecia Mazinho. Ao vê-lo assinar o cheque o admirei e puxei conversa. Fiquei sabendo que na eleição para prefeito em 2000, Fullin e ele disputaram a prefeitura. O mineiro venceu 773 votos. O perdedor não foi além de 699 votos. Minha admiração aumentou. Não é comum político, ainda mais de cidade pequena, respeitar adversário morto.
Na edição do domingo 15, no Diário, cobri o fato sem omitir a exigência do cheque-caução e o gesto de Mazinho. A reação da AMM à notícia foi rápida tentando evitar que a imagem de seu presidente continuasse chamuscada, mas não recuei. Piana franziu a testa e foi pra Bom Jesus do Araguaia sepultar o colega.
Com a morte de Fullin, o presidente da Câmara, Antonio Olavo Faria Lima (PL) assumiu a prefeitura, pois o então candidato a vice-prefeito da chapa vencedora em 2000, José Omárcio Ferreira (PPS) morrera num acidente durante a campanha. A Justiça Eleitoral marcou eleição suplementar para 9 de março de 2003 e posse dos eleitos para 15 daquele mês. Mazinho (PMN) foi eleito prefeito, com Gervásio Abreu de Carvalho (PSDB), vice. Em chapa partidária o PMDB disputou com Valdemir Antonio de Silva e Martes da Silva Rosa, de vice. A aliança PPS/PL lançou Hércules Martins (PPS) e Márcia Cristina Cavalcante Marques (PL), vice.
Mazinho entrou em rota de colisão com a Câmara. Em 11 de novembro de 2003 foi afastado do cargo por 60 dias sob suspeita de improbidade administrativa. Mais tarde foi cassado. O juiz da 53ª Vara Eleitoral, Wagner Plaza Machado Júnior, expediu sua prisão preventiva, que foi cumprida em 27 de fevereiro de 2008, na Secretaria de Estado de Fazenda, onde trabalhava, em Cuiabá. Em 27 de fevereiro de 2010, aos 45 anos, Mazinho morreu vítima de ataque cardíaco, em Primavera do Leste, onde participava de uma festa.
PS – Transcrito do livro DOIS DEDOS DE PROSA EM SILÊNCIO – PRA RIR, REFLETIR E ARGUIR publicado em Cuiabá no ano de 2015 pelo jornalista Eduardo Gomes de Andrade sem apoio das leis de incentivos culturais, com ilustração de Generino e capa de Edson Xavier.
FOTOS:
1 – semana7.com.br – Barra do Garças
2 – O livro em foto blogdoeduardogomes