Em tempos muito remotos, passou pelo Mixto um técnico muito doidão chamado Tchê Teodorico. Analfabeto de pai e mãe, Tchê tinha um pretexto irrefutável para não revelar que não sabia ler nem escrever: ele jamais assinava qualquer documento sem levá-lo para casa para discutir seus detalhes com sua bela mulher.
Provavelmente para esconder sua condição de analfabeto, Tchê tinha uma característica muito própria: só fazia preleções individuais. Durante a semana ele ia fazendo suas preleções, explicando o que queria de cada um fizesse no jogo para não passar o domingo só no lero-lero com quem estava escalado…
Foi do Vila Nova, de Goiás, que Tchê Teodorico veio para o futebol mato-grossense. Primeiro, ele passou pelo Operário, de Várzea Grande, e de-pois ingressou no Mixto. Na sua apresentação ao plantel alvinegro, no campo do Adauto Botelho, o técnico começou a falar mal do Mixto, que estava atravessando uma fase crítica, perdendo para todo mundo. E falava alto mesmo para quem quisesse ouvi-lo.
Nisso, invadiu o campo o fanático presidente do Mixto, Avelino Siqueira, disposto a dar uma dura no treinador. Percebendo a mancada, Tchê mudou rapidinho o tom da conversa, discorrendo sobre sua passagem pelo futebol goiano e ao mesmo tempo fazendo rasgados elogios ao Mixto…
Tchê era chegadinho numa macumbinha. Tão chegado que às vésperas de jogos mais difíceis não dispensava, nas noites de sextas-feiras, um banho de descarrego do plantel numa chácara do Coxipó da Ponte. Os trabalhos eram feitos pelo pai de santo Vadinho, que tinha um terreiro muito famoso no bair¬ro do Baú e frequentado inclusive por gente importante de Cuiabá…
Num desses banhos de descarrego, às vésperas de uma partida difícil, o jogador Arnô não foi participar da feitiçaria porque era evangélico. No domingo, quase na hora do Mixto entrar em campo, Arnô procurou Tchê, no vestiário, para lhe dizer que o técnico não havia feito sua preleção individual pra ele.
– Ah, eu só estava te testando, rapaz! A minha psicologia sabia que você não ia esquecer da preleção. Meus parabéns, jovem – comemorou Tchê, dando pulos de alegria na beira do campo, enquanto transmitia a Arnô suas instruções para o jogo…
Tchê era tão vidrado em feitiçaria que na sua rápida passagem pelo Operário, a primeira coisa que fez foi anotar num papel os nomes de todos os jogadores do Mixto, enrolar, abrir um buraco numa árvore lixeira, às margens do Rio Coxipó da Ponte, colocar uma fechadura e trancar para “amarrar” os mixtenses nas partidas contra os tricolores…
Quando ele ingressou no Mixto, Tchê correu até a lixeira para “desamarrar” os jogadores, cujos nomes estavam trancados dentro da árvore e cujas folhas ásperas e resistentes sempre foram usadas pelas mulheres para arear pratos, talheres, panelas, etc. A localização da árvore na mata ciliar do Rio Coxipó só ele sabia, evidentemente…
Certa vez um torcedor mixtense viu Tchê Teodorico na Praça da República com um jornal nas mãos. O torcedor aproximou-se para cumprimen¬tá-lo e o técnico mostrou-lhe uma foto de um caminhão com as rodas para cima, comentando: “Você viu que acidente feio?…”
– Não é acidente, nem propaganda de revendas de caminhões, professor Tchê. É o jornal que está de cabeça para baixo…
– Eu sei que está, rapaz, mas eu queria testar o seu reflexo… – emendou o esperto Tchê Teodorico…
PS – Reproduzido do livro Casos de todos os tempos Folclore do futebol de Mato Grosso, do jornalista e professor de Educação Física Nelson Severino