Vila dos Confins, 62

O romance Vila dos Confins, primeiro da lavra do mineiro (do Triângulo) Mário Palmério já chegou arrasando, contagiando corações e mentes no Brasil inteiro – depois, também, em diversos outros países, traduzido para diferentes línguas. Foi publicado pela José Olympio Editora em 1956.

E vejam só: a mim também contagiou até por uma particularidade escassamente lembrada e apreciada mundo afora: a do escritor que produz e publica pouco.

O autor, com efeito, publicou pouquíssimo. Afora correspondências e outros escritos de não ficção, só publicaria, depois, o segundo romance, Chapadão do Bugre, sem deixar cair nem um pouco a qualidade. E nem um só livro a mais.
Mas se hoje volto a lembrar de Vila dos Confins e a sentir vontade de sobre ele refletir e escrever, não é obviamente para, ainda uma vez, destacar suas qualidades e o prazer de ler, e sim porque todas as suas linhas narrativas têm como pano de fundo as futricas e escaramuças, os enfrentamentos numa eleição municipal do interior mineiro. No caso, uma vila encravada nos confins com sua gente metida até o pescoço na experiência da disputa para eleger o prefeito e o vice e os vereadores no pleito de um município logo após a sua emancipação política.

Falamos dos sertões das Minas Gerais de um tempo em que certamente a intolerância entre as gentes de nossas cidades e rincões não era nem sombra do que é hoje, mas já havia gente que se engalfinhava e até chegava às vias de se matar em defesa de seus interesses, suas riquezas, sua posição social, seus clãs encastelados entre cercas e porteiras e currais e cofres enterrados dentro do quarto de sisudos senhores coronéis.

As fake news daquele tempo eram em princípio ingênuas e brejeiras, fundadas muito mais nas manhas e artimanhas de coronéis e de seus paus-mandados, os capiaus, do que na maldade e no cálculo propriamente ditos, e não passavam dos limites de um distrito, um município, no máximo uma comarca, levadas no boca a boca, no famoso correio sem selo dos chefes de partidos e cabos eleitorais, no disse-me-disse das comadres, no fuxico laborioso dos mascates que vez em quando cruzavam aquelas brenhas a vender suas bugigangas, sonhos e ilusões.

A vila do título nada mais é que o lugarejo inventado por Mário Palmério para ambientar o seu magnífico romance, a sua Macondo, a sua terra ficcional, lugar onde se desenrolam, além da disputa eleitoral, o romance em alcovas ocultas pela noite em quartos de fazenda, porta descuidada que tramela não trancou, do deputado Paulo Santos com a perigosa Maria da Penha e a contenda, a princípio improvável, do valentão Filipão com o minúsculo Xixi Piriá, encaminhando-se para um final apoteótico e terrível ao mesmo tempo.

E eu, hoje em dia, cansado de tanta sujeira, do esgoto das redes sociais e da quase desesperança que insiste em nos trazer a cada dia um tempo assim, parafraseando outro escritor, Domingos Pellegrini Junior, ando com uma vontade doida de me mudar não pra Felicidade e sim, mesmo, pra Vila dos Confins.

 

MARINALDO CUSTÓDIO, escritor, é mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal Fluminense (UFF)
mcmarinaldo@hotmail.com