Aos lactobacilos
Dizer que eles são o mais claro dos sóis, como a aspirina para o poeta, não é a mais adequada das definições. Lactobacilos são mais para dentro, são ‘in’, são seres lunares. E têm até tudo a ver com o mundo íntimo das mulheres.
Sua fértil acidez.
Há um sonho da humanidade, desde tempos remotos, que nossas entranhas feitas de nervos, músculos, membranas, vísceras, sangue, bílis e outras matérias escuras, pudessem um dia, entretanto, se interligar a um canal pleno de luminosidade, um facho de luz irradiando vida e saúde, impermeável às nossas mais intestinas influências, seus desvios pelos desvãos do corpo, nossos humores em negativo, a bílis derramada fora da forma, no caldo da vida, na hora errada.
Tem uma hora imponderável de nossa vida em que as energias travam, nada anda a contento, parece que a ordem natural das coisas já não mais flui. Aí é quando a gente pode fazer eco ao Cincão, mais um personagem lá da terrinha, São José dos Quatro Marcos: “Ih, acabou a quirulina!”. Bem simples, direto e reto o Cincão: acabou a gasolina, o querosene do avião, nosso combustível de existir, de seguir adiante.
Travou, travou. Travou, como diria Espinosa falando dos afetos (as afecções da alma), esses que quando travam pelo fato de a gente não deixar fluir os sentimentos, as paixões (ele diria), a vida toda é que fica travada, e nada se resolve. Nada se liga ao elo seguinte, como deveria. Fica como o gado na passagem estreita do curral: se todos querem passar de uma vez, nenhum passa e aí embola o meio de campo.
Se não se resolvem as paixões, então o que se salva nesta vida?
Aí é hora de apelar para o socorro de algo. Ou alguém.
Podem ser totens ou Jesus, um pajé, um guru, Nossa Senhora, Madre Teresa, um xamã, o pastor-apóstolo, o padre popstar.
Alguém. Ou algo. Assim como os lactobacilos. Um concerto de organismos imunes dentro do organismo trabalhando sempre a nosso favor.
Diria que em potinhos nos supermercados ou nas mercearias de bairro, assim como em cápsulas liofilizadas, sachês, produzidos por laboratórios multinacionais ou brasileiros, nas farmácias, eles sempre valem a pena. No limite, diria que, ao destravar o fluxo energético, retemperam forças, o ânimo. Ouso até dizer que mandam a morrinha embora e, assim, podem até combater o tédio e outras doenças. No limite, até ajudam a prevenir a depressão.
Melhor, talvez, até que um cálice de vinho seco todo dia.
E existem, ainda, as soluções domésticas, como a da tia Tide (Clotilde), lá de Votuporanga (SP): as ‘culturas vivas’, passíveis de serem multiplicadas a bilhões de microrganismos, pela reprodução, na própria natureza, pelo sistema de ‘mudas’. Uma muda tirada de um pote de iogurte natural, por exemplo, e multiplicada a milhões, a bilhões…
Mas organismos, não; microrganismos, eu diria. Minha lua, fase propícia, as bactérias do bem. A branca lua, a mais clara das luas. A fértil acidez, a trilha da vida, 100 bilhões de microrganismos a proliferar beneficamente dentro do organismo humano.
Para forjar o bem; e para combater o mal.
Um mundo yin, feminino. Sua fértil e divina acidez.
A trilha da vida, sem pecado original.
MARINALDO CUSTÓDIO, escritor, é mestre em Literatura Brasileira pela UFF
mcmarinaldo@hotmail.com
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