Boa Midia

Arroz à parte, eis o histórico de Neri

Eduardo Gomes

@andradeeduardogomes

Mato Grosso está no centro de mais um escândalo nacional. Um leilão da Conab para compra de arroz importado respinga em Neri Geller e figuras que gravitam em seu entorno. Os fatos são dinâmicos. O presidente da Conab, Edegar Pretto, cancelou o dito leilão que foi realizado no dia 6. Lula teria exonerado Neri.

Enquanto se aguarda a poeira abaixar não é possível saber o que realmente aconteceu, separar o denuncismo da realidade. Sobre os fatos de agora, não tenho embasamento para comentar. Quanto a Neri, seu histórico não é de conhecimento de todos, por isso, posto este texto para que o conheçam e assim possam avaliar se ele seria ou não capaz de se meter na encrenca do arroz.

Secretário de Política Agrícola, Neri é parte do triunvirato mato-grossense que controla do Ministério da Agricultura e Pecuária; o ministro é o senador licenciado Carlos Fávaro (PSD) e o secretário Especial é Teti Augustin (PT), pré-candidato a prefeito de Rondonópolis.

 

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Em 2022 Neri disputou o Senado sub judice, pelo PP, recebendo 310.481 votos; seus suplentes: a professora aposentada da UFMT Maria Lúcia Cavalli Neder (PCdoB) e Nilton José de Macedo, o Nilton da Fetagri (PT). O vencedor foi Wellington Fagundes (PL) com 825.229 votos. Neri saiu das urnas e entrou no Ministério da Agricultura.

Seu histórico na vida pública:

 

Neri Geller (PP) escreve um dos importantes capítulos dos políticos mato-grossenses que articulam bem (no aspecto pessoal). Neri tem ligação com a rodovia BR-163 – a nossa boa Cuiabá-Santarém – e carrega um currículo pesado por prisões dele e familiares. Neri foi considerado um dos principais líderes do agronegócio na Câmara dos Deputados.

Nos anos 1970 e 1980 o Rio Grande do Sul se dividia entre os que não queriam ficar e os que sonhavam com a Amazônia. Neri, nascido na pequena Selbach estava entre os dois grupos e ficou com a a segunda opção. Pegou a estrada e partiu para Lucas do Rio Verde, na Amazônia Mato-grossense, que entre outras regiões engloba o Nortão, onde Lucas é um dos destaques.

Selbach é um pequeno município com 178 km² e sua população, hoje, não passa de 5.107 habitantes. Pra quem sempre sonhava em ganhar o mundo – é o caso de Neri – aquilo não era lugar pra se ficar; você até pode nascer em Selbach, mas viver lá, é outra história.

Neri se entregou ao mundo. Em 1996 elegeu-se vereador por Lucas do Rio Verde. Quatro anos depois reelegeu-se. Em 1998, o governador Dante de Oliveira agradou Deus, mundo e Raimundo distribuindo na zona rural generosos cheques do Programa de Apoio Direto às Comunidades (Padic), que era bancado pelo Tesouro com financiamento do Programa de Desenvolvimento Agroambiental de Mato Grosso (Prodeagro), do Banco Mundial  (Bird).

Oficialmente o Padic contemplava associações de pequenos produtores rurais e cooperativas. Na prática, foi o maior balcão de compra de votos em Mato Grosso em todos os tempos. Existem entidades sérias, são poucas, mas existem; porém há cooperativas e associações do Fulano. Esse Fulano era cooptado pela liberação do Padic.

Não procurem o nome de Neri no mecanismo do Padic, cuja engrenagem era gigantesca e muitos de seus dentes agiram na penumbra.

Dante reelegeu-se governador em 1998. O Padic foi peça-chave pra sua continuidade do poder. Neri virou figura poderosa na República Tucana, Dante viu no seu auxiliar no Padic um bom nome pra manter e ao mesmo tempo renovar seu grupo. Neri saiu candidato a deputado federal em 2006 pelo PSDB ficando na suplência, mas a viúva de Dante e deputada federal Thelma de Oliveira (PSDB) lançou mão do expediente do rodízio parlamentar – pago por nós – e o articulado operador do Padic, Neri, a substituiu entre 2 de abril e 1º de agosto de 2007 na Câmara dos Deputados. Neri se mostrava ao Brasil.

UM PARÊNTESE – Em 2008 Neri lançou o irmão Milton Geller candidato a prefeito de Tapurah, município vizinho de Lucas do Rio Verde. Milton ganhou, mas quatro anos depois, pelo PSD do então poderoso deputado estadual José Riva, tentou a reeleição e deu com os burros n’´água – Milton recebeu 2.579 votos e o vencedor foi Luiz Eickhoff (PDT), com 2.998 votos.

NERI NOVAMENTE – Neri saiu da Câmara e continuou em cena enquanto político. Em 2010 novamente disputou a Câmara dos Deputados. Ficou na suplência, mas entre 2 de fevereiro a 26 de outubro de 2011 marcou presença em plenário enquanto suplente em exercício. Essa suplência exige detalhamento: Nery foi suplente pelo PP, que tinha um deputado mato-grossense, Pedro Henry. Em 17 de dezembro de 2012, por 5 a 4, o Supremo Tribunal Federal condenou Henry por sua participação do corrupto esquema do Mensalão. Para fugir da inelegibilidade Henry renunciou em 16 de dezembro de 2013. Neri e Roberto Dorner (PSD), eram suplentes e brigaram pela cadeira de Henry.

BRIGA COM DORNER – Henry foi eleito pela coligação Mato Grosso Progressista formada pelo PP, PRB, PTN, PRP, PHS e PTC. Filiado ao PP, Dorner era o primeiro suplente com 50.480 votos, e Neri, o segundo,  também pelo PP, com 45.196. Mesmo em inferioridade nas urnas, Neri reivindicava a cadeira argumentando que após a eleição Dorner trocara o PP pelo PSD de Riva, o que consistiria em crime de infidelidade partidária. A disputa chegou ao STF; Dorner venceu, pois Neri recuou acatando uma articulação do então senador Blairo Maggi (PR). Com a articulação Neri caiu para cima. Blairo costurou com a presidente Dilma Rousseff sua nomeação para a Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura Pecuária (Mapa), cargo que exerceu em 2013 e 2014. Com a articulação, mesmo Dorner sendo um dos barões do agronegócio, sua linha de atuação parlamentar foi extremamente governista – Baronato à parte.

 

SUA EXCELÊNCIA – Dilma precisava de um bom e articulado ministro da Agricultura. O piedoso agronegócio entrou em cena novamente tendo à frente o então senador Blairo Maggi. Blairo conversou com a presidenta (é assim que a chamavam)  e essa, generosamente nomeou Neri ministro da Agricultura; ele permaneceu no cargo entre 17 de março a 31 de dezembro de 2015, quando a senadora tocantinense  e ex-presidente da poderosa Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Katia Abreu o substituiu.

 

O Ministério para Neri foi uma luva para Dilma, que disputaria a reeleição e precisava de alguém de extrema habilidade para costurar entendimentos com reis do gado, barões do agronegócio e capitães da agroindústria. Ninguém melhor pra tanto que o ex-vereador por Lucas do Rio Verde.

PRISÕES – Neri foi preso em 9 de novembro de 2018, quando era deputado federal eleito. Estava em Rondonópolis para participar de um evento do agro, quando a Polícia Federal lhe deu voz de prisão. Permaneceu recolhido na Penitenciária Major PM Eldo de Sá Corrêa – Mata Grande – até o dia 12 daquele mês, quando o Superior Tribunal de Justiça lhe concedeu liberdade. A prisão foi parte da Operação Capitu, da Polícia Federal, que investigava (continua investigando) corrupção no Mapa nos anos de 2013 e 2014, após delação premiada do doleiro Lúcio Funaro. Na mesma Capitu foram presos outras figuras do Mapa e o empresário Joesley Batista (pra refrescar a memória associem Joesley ao JBS).

Segundo Funaro, Joesley pagava propina ao então ministro Antônio Andrade, e teria continuado a prática criminosa quando Nery  o sucedeu. Neri nega e se defende na Justiça.

Neri foi denunciado juntamente com seus irmãos Milton (o ex-prefeito) e Odair; e o ex-prefeito de Lucas do Rio Verde, Marino Franz, de venderem ilegalmente lotes da reforma agrária em Itanhangá, município no polo de Lucas do Rio Verde.  Franz e os irmãos Geller foram presos em 28 de novembro de 2014, pela Polícia Federal, que para desbaratar o esquema lançou a operação Terra Prometida. Todos foram soltos no mês seguinte. Neri provou que nada tinha a ver com o caso.

Em 20 de setembro de 2016, às vésperas da eleição municipal em Lucas do Rio Verde, a Polícia Civil cumprindo mandado de busca e apreensão num posto de combustível da família de Neri, prendeu sua então mulher, Judite Maria Piccini, por suposta compra de votos e por posse ilegal de munição de arma de fogo. Judite pagou fiança e foi posta em liberdade.

CRIME ELEITORAL – Em dezembro de 2019, o Ministério Público Eleitoral propôs Ação de Investigação Judicial, por abuso de poder econômico, contra o então deputado federal eleito Neri Geller.
Essa ação fecha o cerco sobre o deputado. Na quarta-feira, 8, o desembargador do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) Sebastião Barbosa Farias, relator da ação de Neri, decretou a quebra do sigilo bancário do filho do deputado, Marcelo Piccini Geller, que teria sido operador de movimentações financeiras atípicas no período eleitoral em 2018, que levam o Ministério Público Eleitoral a crer que houve crime de abuso de poder econômico na campanha que o elegeu para a Câmara.  Essa ação resultou na inelegibilidade de Neri no pleito de 2022 quando concorreu ao Senado.

 

Grito do Ipiranga

 

Em várias oportunidades ouvi Neri e outros ruralistas dizerem que lideraram o Grito do Ipiranga. Em meu livro Nortão BR-163: 46 anos depois, publicado em 2016, destaco aquele movimento, o município onde nasceu e quem o idealizou.

 

Fragmentos do livro:

 

O município de Ipiranga do Norte foi instalado em janeiro de 2005. Sua colonização é um dos capítulos da ocupação do vazio amazônico… Grandes rodovias trancadas. Agências do Banco do Brasil isoladas por tratores. A Esplanada dos Ministérios tomada por um mar de chapéus, tratores, colheitadeiras e caminhões. A gigantesca manifestação levou o país a refletir sobre a importância da agricultura, do agronegócio e do produtor rural. Era o Grito do Ipiranga. O ano: 2006. A razão? A busca desesperada por uma política agrícola justa e que oferecesse reais garantias jurídicas a quem produz. Aquele movimento nasceu em Ipiranga do Norte, município à época com um ano de instalação. O Grito levou o nome do município onde surgiu. À sua frente o prefeito e empresário rural Ilberto Effting, o Alemão.

Alemão

MEMÓRIA – Ipiranga do Norte nasceu da reforma agrária. Começou em 1990 com o embrião do Projeto de Assentamento Ipiranga, na fazenda do mesmo nome, em Tapurah. Os parceleiros em sua maioria eram oriundos de vários estados e em acampamentos aguardavam a distribuição de lotes pelo Incra; parte deles acampou-se em Nobres.

A vila que mais tarde seria a cidade foi inaugurada pelo Incra em 15 de março de 1995 numa área de 200 hectares e sua população predominantemente era formada por parceleiros.

Em maio de 2007 seu primeiro prefeito Ilberto Effting, o Alemão, foi afastado do cargo por decisão da Câmara Municipal e do Tribunal de Contas do Estado (TCE). O vice-prefeito Orlei José Grasselli, o Graxa – ex-parceleiro – assumiu a prefeitura. Um ano e três meses depois a Justiça devolveu o mandato a Alemão, mas ele permaneceu pouco tempo no cargo. Debilitado e emocionalmente ferido pela condenação, à qual não teve direito de defesa – como atesta sua absolvição judicial – em 5 de setembro de 2008 sofreu um infarto em seu gabinete; foi atendido na emergência em seu município e removido para o Hospital Regional de Sorriso, mas não resistiu. Alemão fechou os olhos para sempre. Levou a marca da injustiça que o fulminou. Deixou a chama da luta dos produtores rurais por seus direitos.

 

Na edição de março de 2012 da Revista MTAqui publiquei o seguinte texto, numa nota sobre Neri:

Silval (Barbosa, governador) me disse que Nery Geller tem chance de ser seu secretário de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar (Sedraf). Claro que Nery é bem conhecido, mas vou reproduzir o que escrevi sobre ele em 4 de abril do ano passado, abordando os gastos da verba indenizatória de deputado, no mês de fevereiro, quando Nery ocupava cadeira na Câmara dos Deputados e foi campeão mato-grossense na gastança.  Acho que este perfil motiva Silval a lhe entregar a chave do cofre da Sedraf:

Neri Geller fez proezas do arco da velha com a dinheirama. Jogou R$ 25.502,78 pelo ralo numa gastança com cheiro de corrupção, mas que estranhamente não está sob investigação. No dia 9 (de fevereiro), Nery teria voado o seguinte trecho intercontinental: Cuiabá/Pontes e Lacerda/Cuiabá/Cáceres/Juína/Cuiabá/São Félix do Araguaia/Lucas do Rio Verde/Cuiabá a bordo de aeronave cujo prefixo não foi revelado, mas que foi fretado numa agência que se identifica por Araruna Turismo. Nesta mesma data o deputado alado voou de Várzea Grande para Lucas do Rio verde por uma empresa diferente, a América do Sul Táxi Aéreo, pagando R$ 428 pelo bilhete incluindo a taxa de embarque.

Além disso, Nery gastou durante todo o mês R$ 4.500 com gasolina. Mas, o curioso é que este dinheiro foi torrado somente em um dia e em um único posto, o Renascença Auto Posto, que Lucas do Rio Verde – onde o deputado mora – todos sabem muito bem de quem é”.

 

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