Cadê o dinheiro, Lino…?
Em 1975 o Mixto foi a Corumbá enfrentar o Marítimo pelo Cam¬peonato Mato-grossense de Futebol. Jogo importante, que des¬pertava interesse em todo o Brasil, pois era a primeira vez que dois clubes de Mato Grosso eram incluídos no teste da Loteria Esportiva.
O presidente mixtense Lourival Fontes não pôde viajar, porque tinha muitos problemas para resolver em Cuiabá. E pediu para Lino Miranda, dire¬tor de Futebol, chefiar a delegação.
O jogo era num domingo. No sábado, Lino Miranda chamou a ra¬paziada e fez um vale de Cr$ 15.000,00 para cada um, como adiantamento salarial, para quem quisesse ir a Puerto Suárez fazer compras, aproveitando as promoções do comércio daquela cidade do pantanal boliviano.
Na hora em que foi feito o vale, o zagueiro central Nélson Vasques tinha saído do hotel para dar uma voltinha. Quando ele voltou, Lino Miran¬da chamou-o, deu-lhe Cr$ 10.000,00 e fez uma recomendação: “Não comente com ninguém sobre esses dez mil cruzeiros, porque para os outros eu só adian¬tei cinco mil, combinado?…”
Dinheiro no bolso, não foi difícil para Nélson Vasques descobrir que a turma estava num barzinho ao lado tomando umas biritas por conta do vale. E se mandou para o boteco com a língua coçando para contar que tinha sido privilegiado no vale…
Quando Nélson abriu a boca para contar vantagem foi uma garga¬lhada geral. Teve gente que até brandiu as notas de cruzeiro no ar para mostrar que Lino Miranda havia lhe passado a perna.
– Que grande filho da puta… – gritou Nélson Vasques, juntando-se aos companheiros para tomar uns tragos também…
O jogo com o Marítimo terminou com vitória do Mixto por 1×0. O técnico Hélio Machado estava feliz da vida, pois havia recebido muitos tele¬fonemas de apostadores durante a semana e a todos recomendava: “Crave o Mixto e empate…”
De volta ao hotel, depois do jogo, Lino Miranda pagou as diárias da delegação e ainda sobrou um bom dinheiro. Aí. Lino Miranda reuniu os joga¬dores e fez uma pergunta: “Vamos levar o dinheiro que sobrou embora para pagar as passagens ou vamos torrá-lo aqui mesmo?…”
Claro que não é preciso dizer qual foi a eufórica resposta da rapa¬ziada.
No domingo à noite, já com os jogadores deitando e rolando pela cidade com a grana no bolso, um endinheirado empresário corumbaense pro¬curou a chefia da delegação alvinegra para propor a realização de um amistoso no dia seguinte entre o Mixto e um clube que ele bancava sozinho, por motivos que não vem ao caso. Seu objetivo era mostrar ao Mixto um jogador do seu time, considerado um astro da bola…
A proposta era vantajosa e Lino Miranda não vacilou em aceitar o desafio. Afinal, o retorno da delegação tinha ficado para terça-feira por falta de avião. Depois do jogo com o Marítimo, e o acerto do novo amistoso, Lino Miranda pegou o dinheiro adiantado do empresário e rateou entre a moçada. Foi outra festa…
No retorno a Cuiabá, quando a delegação pisou na área de desem¬barque do aeroporto de Várzea Grande, o presidente Lourival Fontes correu ao encontro de Lino Miranda, perguntando repetidamente: “Cadê o dinheiro, Lino? Cadê o dinheiro? Preciso cobrir com urgência o cheque das passagens…”
– Presidente, tenho péssimas notícias. Depois do jogo de domingo, os jogadores me trancaram num quarto do hotel e armados de facas, garfos e trancas de portas me obrigaram a dividir todo o dinheiro dos dois jogos entre eles. Esses jogadores são mais selvagens do que índios. Nunca mais me peça para chefiar delegação…” – justificou Lino Miranda, saindo de fininho e rapidi¬nho da frente do enfurecido Lourival Fontes…
PS – Capítulo do livro Folclore da bola (volume 2 do Casos de todos os tempos) e desmembrado em três capítulos: futebol, arbitragem e radialismo, que está na editora à espera da publicação pelo jornalista, escritor e professor de Educação Física Nelson Severino.
A obra, ambientada em Mato Grosso, focaliza personagens do esporte e do jornalismo esportivo.
Aposentado e residindo em Várzea Grande, Nelson Severino se dedica a escrever livros. Em breve terá novo lançamento.
Em Mato Grosso o autor é uma das referências do jornalismo, profissão à qual se dedicou com seriedade e profissionalismo durante décadas, sem se deixar seduzir por políticos e poderosos, atuando em jornais e revistas regionais, e na condição de correspondente de grandes jornais do eixo Rio-São Paulo.
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