Quarta-feira, 30 de novembro de 1983. O repórter Paulo Jorge encosta o Fiat 147, branco, da reportagem da Rádio Clube AM, bem ao lado da escadaria da prefeitura de Rondonópolis. Com o microfone à mão e ao vivo para o programa “Rondonópolis Agora”, apresentado por Clóvis Roberto Balsalobre de Queiroz, aguarda a presença do prefeito Carlos Bezerra (PMDB) para anunciar a programação do aniversário de Rondonópolis, que no dia 10 de dezembro completaria 30 anos de emancipação.
O prefeito não aparece nem manda representante. Paulo Jorge lamenta. Do estúdio na rua Fernando Corrêa da Costa, Clóvis Roberto faz duras críticas a Bezerra chamando-o de incompetente e mau administrador. Observa que ele está no poder desde fevereiro e que não tem sequer uma obra para presentear o município em sua data maior.
A falta de obra para inaugurar somada à crítica de Clóvis Roberto abala Bezerra em sua cidade, onde articula sua candidatura ao governo em 1986. O cenário político fica desfavorável ao líder peemedebista e aparentemente não há nada pra se fazer.
Vi Paulo Jorge chegar à prefeitura e conversei com ele após seu microfone ser desligado. Acompanhei pela rádio as duras alfinetadas de Clóvis Roberto.
No começo da noite daquela quarta-feira fui ao Bar do Carlito, no cruzamento da avenida Cuiabá com a rua Barão do Rio Branco. Depois da Brahma bem gelada peguei meu Fusca amarelo e rumei pra minha casa na avenida Frei Servácio, no bairro Santa Cruz. Desde os goles matutava uma ideia. Minha rota passava pela Secretaria Municipal de Saúde, situada na via onde morava. Naquela secretaria, todas as quartas, Bezerra reunia o movimento comunitário e a militância de seu partido, para suas costuras políticas.
Ao me aproximar da secretaria vejo a movimentação e paro o Fusca. Tenho em mente um plano que pode ser útil ao projeto político de Bezerra e o procuro entre os presentes. O dirigente comunitário Geraldo Majella Prados me diz que o prefeito está reunido com o vice-prefeito Fausto Faria numa saleta de vacinação.
Vou até a tal saleta e o vejo pelo vitrô. Junto a ele, Fausto e os irmãos Farias: Salvino e Juscelino – o primeiro é comunitário e servidor do município, o outro integra a bancada do PMDB à Câmara Municipal. Bato na porta e Fausto a abre.
Vou direto ao assunto. Resumo o estrago feito por Clóvis Roberto e apresento o plano que acho ideal para o momento. “Carlos (Bezerra), que tal você construir 30 casas em 30 horas, nos 30 anos da cidade?”. Acrescento que tudo poderia ser feito por mutirão e que o volume de residências seria apenas uma amostragem do grande plano habitacional que ele acabara de elaborar.
Bezerra tem perfil de jogador de pôquer. Não tem alegria nem tristeza que o faça mover um músculo da face sequer. Mesmo assim, me estende a mão e diz: “Brigadeiro, Brigadeiro, Brigadeiro…”. Em seguida sai seguido por Fausto, Juscelino e Salvino. Eu o acompanho, de longe.
Um Bezerra bravo, objetivo e realizador grita ao microfone que a melhor resposta às críticas infundadas da Rádio Clube seria dada pelo povo, que em 30 horas construiria 30 casas na região de Vila Operária, para comemorar o aniversário de Rondonópolis e simbolizar a arrancada do maior programa habitacional municipal no Brasil em todos os tempos.
“Moradia para todos, sem exceção, companheiros”, brada sob aplausos.
No outro dia começa a mobilização para o mutirão do programa habitacional. Bezerra ganha um terreno perto do Jardim Clarion para construir a Vila Verde. Empresários são convocados à doação. O movimento comunitário vira formiguinha. Até um concerto de piano foi costurado por meio da colunista social Lúcia Bortoni – minha amiga Lúcia não está mais entre nós; foi vítima de um tiro de fuzil, num assalto, no Rio de Janeiro.
A imprensa cuiabana fica alvoroçada. Aparecem por lá Ivaldo Lúcio, Lúcio Tadeu, Weller Marcos, Robson Sinomar, Jota Maia (José Maia de Andrade), Adilson Lopes, Adeildo Lucena, José Calixto, Carioca, Nelson Severino, Antero Paes de Barros, Itamar Perenha e muitos outros nomes, todos recrutados – no bom sentido – pelo secretário de Comunicação de Bezerra, o jornalista Mário Marques de Almeida.
Em festa, no final do dia 10 de dezembro de 1983, na periferia de Rondonópolis, 30 famílias ganharam teto a custo zero. Sempre que vou àquela cidade passo ao lado do embrião do programa habitacional de Bezerra, que nunca foi além das palavras. Em silêncio olho pras casas com sentimento de paternidade.
PS – Carlos Gomes Bezerra é personagem na primeira edição de DNA do melhor lugar do mundo. O programa habitacional fruto da minha imaginação certamente contribuiu para sua eleição ao governo em 1986, pelo PMDB.
Texto extraído do capítulo Carlos Bezerra, no livro DNA do melhor lugar do mundo – segunda edição, 2023 – de minha autoria, publicado sem apoio das leis de incentivos culturais.
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