Cartola vingativo e suas empresas
Aos sábados, domingos e feriados nacionais CURTAS será substituída por capítulos do livro “Dois dedos de prosa em silêncio – pra rir, refletir e arguir“, escrito e publicado em 2015 pelo jornalista Eduardo Gomes de Andrade, sem apoio das leis de incentivos culturais. A obra foi ilustrada por Generino. Capa Édson Xavier.
Capítulo:
Cartola vingativo e suas empresas
Ricardo Teixeira, cartola hereditário da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) estava com aquele senadorzinho caipira da roça atravessado na goela, por conta de seu destempero verbal e suas investigações na CPI da CBF/Nike, no Senado, instalada em 2000 e que morreu insossa um ano depois.
O senadorzinho caipira era Antero Paes de Barros, que ao lado de Álvaro Dias, o presidente da CPI, compunha a representação titular dos tucanos no pente-fino que se tentava passar nas mamatas e negociatas da cartolagem brasileira.
Antero entrou pra lista suja de Ricardo Teixeira, que fingia ignorá-lo pra evitar mais luzes sobre a defunta CPI. Em 2006, por baixo dos panos já estava definido que a bola rolaria no Brasil em 2014, mas somente em 30 de abril do ano seguinte, em Zurique, na Suíça, Joseph Blatter oficializou a terra de Mané Garrincha, Mão de Onça e Bife enquanto palco do maior evento esportivo do planeta.
O país estava sacramentado. Faltava bater o martelo sobre as 10 cidades que seriam sede, sendo que Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Belo Horizonte, Porto Alegre e Salvador eram favas contadas. A oficialização dos nomes foi empurrada com a barriga até 2009.
A Fifa queria 10 sedes, mas Ricardo Teixeira bateu o pé por 12 e ganhou um forte aliado: o presidente Lula da Silva, que na esfera administrativa tinha juízo de galinha de granja, e que se pudesse botaria uma sede em cada capital e nas cidades com mais de 500 mil habitantes.
O cartola da CBF tinha duas razões pra brigar pelo aumento das sedes: precisava ganhar o respeito da Europa e dos Estados Unidos, e queria dar um chute do traseiro do senadorzinho caipira.
Longe da imprensa, Ricardo Teixeira planejava incluir Manaus e Cuiabá entre as sedes da Copa.
Manaus por simbolizar o ativo ambiental brasileiro, que se bem mostrado ao mundo, associado ao evento, lhe cairia como verdadeira luva.
Cuiabá para pisar no senadorzinho caipira destemperado membro da CPI da CBF/Nike, já que seu Estado era governado por Blairo Maggi, que chegou ao cargo em 2003 após vencê-lo em primeiro turno, no ano anterior, e se manteve governando ao repetir a dose quatro anos depois, também sem necessidade de segundo turno. O argumento ao público, para tanto, seria a política de segurança alimentar mundial, já que Mato Grosso era campeão brasileiro na produção de grãos, fibras, carne bovina e ocupava lugar de destaque internacional em outras áreas do agronegócio.
Sem saber que se tratava de jogo de cartas marcadas, nas ruas em Cuiabá e Campo Grande (MS) o povo lutava para que sua cidade fosse sede da Copa do Pantanal. Enquanto isso, Ricardo Teixeira tentava se aproximar do arredio governador mato-grossense. As primeiras investidas fracassaram, mas quando Blairo viu que a realização da Copa do Pantanal renderia dividendos eleitorais e, mais que isso, era perspectiva de bons negócios pra seu grupo empresarial e seus colegas do agronegócio, o cartola passou a caber por inteiro em seu abraço.
Em 31 de maio de 2009, quando em Nassau Blatter pronunciou num português sofrível os nomes das 12 sedes da Copa, a palavra “Cooia-baah” soou divina para Mato Grosso. Claro que a essa altura já estava costurado que a GCP Arquitetos seria autora do projeto da construção da Arena Pantanal e que a Deloitte Brasil faria consultorias pra Agência Estadual de Execução dos Projetos da Copa do Mundo (Agecopa). Coincidentemente ou não, tanto a GCP quanto a Deloitte e outras felizardas empresas chegaram à Agecopa pelas mãos de Ricardo Teixeira, mas bem discretamente. Também por coincidência ou não, Blairo nomeou seu compadre, vizinho em Rondonópolis e contemporâneo de faculdade Adilton Sachetti pra presidir a Agecopa.
A Agecopa tinha sete diretores: o presidente Adilton, Yênes Magalhães (Planejamento), Roberto França (Comunicação), Carlos Brito (Infraestrutura), Agripino Bonilha Filho (Articulação Institucional), Yuri Bastos (Assuntos Estratégicos) e Jefferson Carlos de Castro Júnior (Finanças e Orçamento).
As deputadas estaduais Vilma Moreira (PSB) e Chica Nunes (PSDB) brigaram para impedir a nomeação somente de um gênero na diretoria da Agecopa. As duas tentaram reservar 20% ao outro, mas foram derrotadas. As parlamentares queriam assegurar ao menos uma presença feminina na composição da direção, mas o machismo prevaleceu e o projeto Copa do Pantanal foi tocado como se fosse verdadeiro Clube do Bolinha.
Setores da imprensa afirmaram que o cargo de Adilton na Agecopa foi prêmio de consolação por sua derrota na tentativa de se reeleger prefeito de Rondonópolis em 2008. Porém os poucos que enxergavam frestas de luz nas trevas do projeto Copa do Pantanal não viam a nomeação por aquele ângulo, mas como ponte entre os interesses de Ricardo Teixeira e Blairo, na terra do senadorzinho caipira.
EDUARDO GOMES
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