Boa Midia

Dicke, o escritor que a Academia Mato-grossense de Letras desconheceu

Texto forte, conciso a ponto de permitir interpretação até nas entrelinhas, de modo singular, como somente ele seria capaz de produzir. Assim o escritor Ricardo Guilherme Dicke construiu sua obra literária ambientada em cenários rurais, à exceção de “Último Horizonte”.

Dicke foi um raio de luz na literatura mato-grossense. Seu adeus, imposto por insuficiência respiratória aguda após parada cardiorrespiratória revertida em hipertensão arterial severa, às 10 horas da quarta-feira, 9 de julho de 2008, no Hospital São Mateus, em Cuiabá, deixou um enorme vazio no círculo literário nacional.

O escritor Dicke não foi imortal da Academia Mato-grossense de Letras (AML), com sede em Cuiabá e instalada na região central da cidade, na Casa Barão de Melgaço, imóvel que pertenceu ao ex-mercenário, almirante e ex-governador de Mato Grosso Augusto João Manuel Leverger e que se tornou Barão de Melgaço. A academia fingia que não o via e, ele, por sua vez, não dava bola para ela.

Dicke nunca ocupou uma das 40 cadeiras reservadas aos imortais da AML, mas independentemente disso, construiu uma obra que todos os mortais devem reconhecer como referência da literatura mato-grossense.

O escritor nasceu no município de Chapada dos Guimarães. Formado em filosofia, artista plástico nato, poliglota (falava seis idiomas), casado, pai e avô, em 1968 Dicke estreou no mundo da literatura com “Deus de Caim”, obra que foi uma das vencedoras do Prêmio Walmap, em torno do qual gravitavam grandes escritores; essa conquista foi referendada por um júri composto entre outros por Jorge Amado e Guimarães Rosa.

“Deus…” foi o abre-alas da obra que prosseguiu com “Caieira”, “Remington de Prosa”, “Madona dos Páramos”, “A Chave do Abismo”, “Cerimônias do Esquecimento”, “Rio Abaixo dos Vaqueiros”, “O Salário dos Poetas” e outros textos, alguns inéditos, outros inacabados. Dicke também escreveu artigos para jornais e revistas em Cuiabá, Rio de Janeiro e outras cidades.

A obra o Salário dos Poetas ganhou destaque internacional ao ser levada ao palco em Lisboa, Portugal, no ano de 2005. Também foi adaptada para o teatro em Mato Grosso, por Amauri Tangará.

O escritor Dicke virou tema de um documentário produzido pelo amigo jornalista, colunista e produtor cultural Lorenzo Falcão, que misturava realidade e ficção e do qual participou enquanto ator.

Nunca a literatura mato-grossense ganhou tanto, quando Dicke se lançou no mundo literário. De igual modo jamais perdeu tanto quando de sua partida. Sua obra é o melhor legado da figura humilde, discreta, de voz pausada, sempre disposto a ouvir. Foi o escritor mato-grossense que melhor transportou a alma de Mato Grosso para as páginas dos livros, jornais e revistas.

FOTO: Álbum de familia

1 comentário
  1. Sebastião Carlos Diz

    Caro Eduardo é indiscutível que RGDick é um dos grandes escritores brasileiros contemporâneos. Portanto, não é correto dizer que “a Academia fingia que não o via”. Muito ao contrário, ela era e continua sendo um ponto referencial. Acontece que o mestre nunca se interessou em se candidatar. Eu mesmo nos anos 80/90 desfrutei da amizade com ele e frequentava a sua residencia no bairro Coophema. Fui inclusive o editor de seu primeiro e único livro de poesias, “A Chave do Abismo”. Em várias ocasiões levantei esse assunto a que ele respondia sempre com discreto sorriso, dizendo que iria se candidatar na próxima eleição. Sua esposa, presente em algumas dessas conversas, procurava estimulá-lo [era uma maneira, dizia ela, de forçá-lo a sair de casa]. Nunca quis se candidatar. Não foi acadêmico porque não quis. Como não o foram na Academia Brasileira de Letras o grande Carlos Drummond e aqui o Wladimir Dias Pino ou o Manoel de Barros , para só citar dois exemplos. Assim, não há como “forçar” a alguém a entrar numa Academia de Letras. Por mais apoio, respeito e reconhecimento que o intelectual tenha, ele terá que participar de reuniões e outras obrigações características dessas instituições, que muitas vezes não se encontra disposto, e assim sendo, sabe bem você, não há como obrigar a alguém. Por essa razão, só por isso, o chapadense Dick não pertenceu a AML.

    Sebastião Carlos é presidente da Academia Mato-grossense de Letras

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