Boa Midia

Domingos Iglesias Valério, o Engenheiro das Águas

Bocaina, na Estrada Real, município de Rio Acima, é a única passagem na Serra Gandarela entre Ouro Preto e Santa Bárbara. Ali, escravos fugitivos atacavam as tropas portuguesas que transportavam o ouro saqueado aos mineiros para reluzir as cortes europeias.

O misticismo da Bocaina mexe com o inconsciente do povo que habita o universo das cidades, vilas, montanhas e vales de Minas. Agora, também desperta interesses ao povo mato-grossense, que pergunta no silêncio da individualidade de seus cidadãos: onde fica esse lugar de nome estranho que levou para sempre o Engenheiro das Águas?

Esse engenheiro foi a Minas matar saudades. Só não sabia que sua terra o esperava com recepção espiritual diferenciada, reservada aos seus mais ilustres filhos ausentes.

Ao lado da Bocaina o engenheiro civil e professor universitário aposentado Domingos Iglesias Valério, de 83 anos, fechou o grande livro de suas realizações profissionais em Mato Grosso, onde escreveu um dos mais importantes capítulos da moderna engenharia civil. Seu adeus insere-se ao contexto da fragilidade humana. No entanto, a frieza da morte não o apaga da memória coletiva nem rouba seus exemplos.

Em Mato Grosso o nome Iglesias tem vários sinônimos, sendo o principal “Defesa Civil”, função essa à qual se dedicou com empenho, profissionalismo, lisura e paixão.

Mato Grosso não deve chorar pelo adeus de Iglesias. A morte de um grande homem é sempre menor que sua obra e seu legado. Ao invés de lágrimas os homens públicos e as novas gerações da engenharia civil precisam de equilíbrio emocional para se inspirar em seus dignificantes exemplos.

A marca da competência profissional de Iglesias associa-se a grandes empreendimentos de interesse mato-grossense, a exemplo do Aproveitamento Múltiplo de Manso e na ponte rodoferroviária sobre o rio Paraná, na ferrovia da América Latina Logística. Sua têmpera tinha a componente honestidade, que o fazia resistir às investidas de corruptos que tentavam usar calamidade pública em benefício próprio.

As brumas das Alterosas se juntaram no entorno da Bocaina, cobriram-na com cortina abrindo passagem ao céu a um dos pilares da moderna engenharia civil mato-grossense. Por mais cidadão do Brasil que fosse, Iglesias era mineiro e Minas jamais permitiria que um de seus mais ilustres filhos partisse de outra terra para o reencontro com o Pai.

O texto acima é do artigo “De pai”, de minha autoria e publicado em 7 de março de 2010 no jornal Diário de Cuiabá, um dia após o adeus de Iglesias, que ao longo de 31 respondeu pela Defesa Civil em Mato Grosso.

Iglesias era engenheiro civil e doutor em Portos do Mar, Rio e Canais, além de Arquitetura, Urbanismo e Traçado de Cidades. Manteve uma relação profícua com Mato Grosso. Chefiou o Departamento de Terras, foi professor do curso de Engenharia Civil da Universidade Federal (UFMT), participou da elaboração do traçado da ferrovia Senador Vicente Vuolo e da construção da ponte rodoferroviária sobre o rio Paraná e do Aproveitamento Múltiplo de Manso (APM Manso) – que se destacada pela hidrelétrica no rio Manso, nos municípios de Chapada dos Guimarães e Nova Brasilândia – mas seu DNA era a Defesa Civil.

Conhecedor de Mato Grosso pelo verso e reverso, Iglesias mantinha laços de cordialidade com prefeitos, que o procuravam para decretação de estado de calamidade pública em seus municípios.

Calamidade pública em Mato Grosso é quase sempre associada a água. Ora uma enchente, ora uma ponte que roda, ora transbordamento cobre leito de estrada. Daí, que muitos o chamavam de Engenheiro das Águas.

Objetivo, Iglesias não gostava de perguntas sem sentido. Por isso, costumava ser azedo com jornalistas. Mesmo com azedume não omitia informação.

Antes de viver em Mato Grosso Iglesias participou da construção de Boa Vista, a capital de Roraima.

A imponente obra que reverencia a memória de Iglesias
A imponente obra que reverencia a memória de Iglesias

HOMENAGEM – O governo de Mato Grosso reverencia a memória de Iglesias. Em novembro de 2013 o então governador Silval Barbosa inaugurou o Viaduto Engenheiro Domingos Iglesias Valério, na avenida Miguel Sutil, ao lado do Parque Mãe Bonifácia, em Cuiabá. O viaduto tem 325 metros de extensão, com 9 metros de altura em seu ponto mais elevado; seu trânsito flui em duas faixas em cada sentido. Sua iluminação é feita por luminárias de LED.

O viaduto foi construído por meio de um convênio do governo estadual com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para a Copa do Mundo de 2014.

A obra que reverencia a memória de Iglesias desafoga o trânsito na Miguel Sutil, e no acesso ao bairro Despraiado e adjacências, e ao centro de Cuiabá.

Eduardo Gomes – blogdoeduardogomes

FOTOS:

1 – Youtube

2 – Arquivo Governo de Mato Grosso

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