40 Anos – Entre o discurso e a prática
Sem exagero: o bimotor parecia que explodiria! Um vácuo mais forte assustou os jornalistas que voavam de Cuiabá para Cocalinho naquele 1º de maio de 1997. Entre os passageiros do avião envolto por fortes ventos e uma chuva extemporânea, somente um senhor de postura nobre e com uma perna imobilizada por gesso mantinha-se calmo no alto dos seus sessenta anos, como se estivesse num banco de jardim, vendo a vida passar pachorrentamente.
A turbulência não durou muito e o bimotor ganhou um céu de brigadeiro. Das janelas descortinava-se Mato Grosso plural com suas pastagens, áreas mecanizadas para agricultura, rios e matas. Refeito do susto, um dos jornalistas passou a exibir conhecimento da rota que nos guiava à fazenda Saudade, da Rede Globo, em Cocalinho, onde o governador Dante de Oliveira, o vice-governador de Goiás, Naftali de Souza e o herdeiro de Roberto Marinho e vice-presidente das Organizações Globo, José Roberto Marinho, participariam do lançamento de uma campanha de vacinação de bovinos e bubalinos contra a febre aftosa.
Quando o bimotor cruzou a BR-158, o jornalista conhecedor da região disse que a rodovia ligava Barra do Garças a Vila Rica, e que por uma bifurcação via São José do Xingu, poderia se chegar a Matupá. Não satisfeito com a descrição, acrescentou que a palavra Matupá é a junção com pequenas alterações das siglas Mato Grosso, Tocantins e Pará, e que a cidade foi construída para ser capital do futuro Estado de Mato Grosso do Norte.
O senhor de postura nobre falou pela segunda vez no voo – no embarque ele cumprimentou os companheiros de viagem. Disse que não poderia se calar em relação a Matupá. Contou que foi o engenheiro autor do projeto urbanístico daquela cidade e revelou a origem de seu nome.
Matupá, segundo ele, é o nome que os índios dão às ilhotas que se formam com o desmoronamento das margens dos rios, e que flutuam às vezes por quilômetros, até serem tragadas pelas águas. “Estava no barranco do rio Peixoto de Azevedo (que banha Matupá) e um pedaço de terra se desagarrou da margem. Lembrei-me que um índio que trabalhou comigo na abertura da BR-158 havia me dito que aquilo era um Matupá. Daí, dei esse nome àquele núcleo urbano que construía para o Grupo Ometto”, explicou.
Um silêncio de respeito e admiração tomou conta do bimotor. E, após a correção, ele se calou e aderiu ao silencioso coro dos demais passageiros.
Eu era o único no bimotor que conhecia o engenheiro que implantou a BR-158 de Barra do Garças a Alto Boa Vista, rodovia que era chamada de Estrada da Suiá-Missú; e que planejou Matupá. Revelei aos colegas que de sua prancheta também nasceram Juruena e Cotriguaçu, além de Caracaraí, em Roraima. Disse que ele tinha um currículo fabuloso e que presidia o Conselho Nacional de Pecuária de Corte (CNPC). Aquele senhor de postura nobre que voou conosco para Cocalinho é João Carlos de Souza Meirelles, secretário de Estado de Energia em São Paulo, amigo do governador Geraldo Alckmin, presidiu a Câmara Municipal de São Paulo e foi colega de vereança paulistana de Mário Covas. É o Meirelles.
EDUARDO GOMES DE ANDRADE – Extraído do livro ‘DOIS DEDOS DE PROSA EM SILÊNCIO – PRA RIR, REFLETIR E ARGUIR“, de sua autoria, publicado em 2015, sem apoio das leis de incentivos culturais.
Ilustração: GENERINO
Capa do livro: ÉDSON XAVIER
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