MST e a invasão que não aconteceu
Eduardo Gomes
@andradeeduardogomes
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Em 1995, o Movimento Sem Terra (MST) estava elétrico em Rondonópolis, onde pouco antes lançou suas bases em Mato Grosso invadindo a fazenda Aliança, dos irmãos Meirelles, no município de Pedra Preta.
Muitos fazendeiros infiltraram homens de confiança nos acampamentos do MST. A Polícia Militar também agia assim. Com essa manobra descobriu-se que os sem-terra planejavam um duro golpe com forte apelo de mídia contra a cúpula sindical rural patronal mato-grossense: a invasão do Parque de Exposição Governador Wilmar Peres de Faria, em Rondonópolis.
A Federação da Agricultura e agora também da Pecuária (Famato) entrou em crise. O calendário marcava o começo de junho e a Exposição Agropecuária Internacional (Exposul) estava programada para agosto.
Zeca D’Ávila presidia a Famato. O presidente do Sindicato Rural de Rondonópolis era Adolpho Tadeu Vieira, que não está mais entre nós. Os dois sentiam-se impotentes para conter o MST, que em seus primeiros momentos sequer respeitava interdito proibitório.
Sem saber da ameaça de invasão, fui à Famato e Zeca falou-me sobre o assunto. O vi muito preocupado. Não era para menos: o parque de Rondonópolis é a principal vitrine do agronegócio mato-grossense e sua construção somente viabilizou-se graças ao trabalho de Zeca quando presidente do sindicato rural daquele município.
Aparentemente não havia o que fazer, muito embora Adolpho Tadeu tivesse debaixo do braço uma liminar de interdito proibitório (para proteger o parque da exposição da ameaça do MST) deferida pelo juiz de direito Luiz Antônio Sari.
Liguei para um amigo oficial da Polícia Militar no batalhão em Rondonópolis e ele detalhou o que aconteceria. A invasão estava na contagem regressiva.
Disse a Zeca que pouco antes de chegar à Famato estive no comando da 13ª Brigada de Infantaria Motorizada de Cuiabá, onde seu comandante o general de brigada Flávio Oscar Maurer convidou-me para cobrir uma operação do Exército em Rondonópolis, que contaria com efetivos de batalhões de Cuiabá, Aragarças (GO), Coxim (MS) e do 18º Grupo de Artilharia de Campanha (18º GAC) daquela cidade. Observei com meu anfitrião que o evento do general poderia impedir a invasão.
Sem entender aonde eu queria chegar, meu anfitrião disse que não via como, afinal – segundo ele – o Exército sempre ficou distante da questão da luta agrária. Propus a Zeca fazer um pedido ao general, que se fosse aceito seria tiro e queda. Ele ficou reticente perdido atrás da fumaça de seu inseparável cigarro. No entanto, Edson de Andrade, que era secretário da Famato e seu braço direito, gostou da ideia e motivou-me a levá-la adiante. Pedi um tempo para conversar com o comandante da Brigada.
Da Famato liguei para a Brigada e consegui que o comandante me atendesse de imediato. Fui até lá. Tive uma conversa franca e objetiva com ele. Expliquei o que estava para acontecer e pedi ao general para instalar o posto de comando da operação no parque de exposição.
O general deu um sorriso enigmático. Disse-me que ligaria ao comandante da 9ª Região Militar, em Campo Grande, e o fez de imediato. Maurer destacou a infraestrutura do parque e que o vaivém das viaturas e blindados entre o comando e o teatro da operação cruzando a zona urbana daria mais visibilidade ao Exército perante a população. Depois dessa argumentação, com a responsabilidade do cargo que ocupava, revelou ao superior a questão do MST e o transtorno que aquilo poderia causar.
Um “sim” na 9ª Região Militar, com pedido de cautela operacional, foi a resposta ouvida pelo general Maurer.
Retornei à Famato com a boa notícia. Zeca e Edson se desmancharam. Em Rondonópolis, Adolpho Tadeu estava em polvorosa, mas de imediato um telefonema o tranquilizou. Ele quis saber como foi possível conseguir a blindagem do Exército: “Foi o Eduardo Gomes”, disse Zeca. O presidente do sindicato rural engoliu em seco, porque não me suportava em razão de matérias de minha autoria publicadas um ano antes no Diário de Cuiabá denunciando focos de aftosa ao lado da cerca do parque onde se realiza a Exposul.
No outro dia, os militares amanheceram no parque de exposição, que foi tomado por viaturas e canhões. Em seu portão principal, ao invés das bandeiras da Famato e do sindicato rural, foram hasteados pavilhões do Brasil e das unidades militares participantes. Ali, ninguém sem farda entrava. E não entrou mesmo.
Os chefes do MST entenderam o recado e a vitrine do agronegócio foi poupada. Depois daquele episódio estreitei relações com o general Maurer e em 31 de janeiro de 1996 ele distinguiu-me com o “Diploma de Amigo da Brigada Barão de Melgaço”, que mantenho na moldura em meu escritório.
PS – Texto extraído de um dos capítulos do livro Dois dedos de prosa em silêncio – pra rir, refletir e arguir, que publiquei em 2015 sem apoio das leis de incentivos culturais – com ilustração de Generino e capa de Edson Xavier.
Graças ao general Maurer, as instalações do parque foram preservadas. Não houve comprometimento e a Exposul aconteceu em paz. O MST buscava somente ganhar espaço na mídia, os chamados 15 minutos de fama, mas ao ser desaconselhado sobre o parque sua política agrária não sofreu nenhum arranhão.
O GENERAL – Flávio Oscar Maurer nasceu em Campo Bom (RS), na região metropolitana de Porto Alegre, no dia 19 de janeiro de 1940. Em 12 de maio de 1964, então aspirante, Maurer conduzia o sargento Venaldino para interrogatório no aquartelamento do 19º Regimento de Infantaria em São Leopoldo (RS), e Vanaldino efetuou três disparos com uma pistola Beretta 6.35 contra ele. Um dos tiros atingiu sua cabeça e afetou seriamente seu rosto. O sargento foi baleado por outros militares e em desespero suicidou-se com um tiro no crânio.
A cicatriz do tiro no rosto do general Maurer era visível e ele sentia orgulho dessa condição.
O general Maurer comandou a 13ª Brigada no período de 5 de maio de 1995 a 7 de fevereiro de 1996; em janeiro de 1999 foi para a reserva remunerada com a patente de general de brigada. Mudou-se para São Leopoldo (RS), e morreu no dia 5 de fevereiro de 2014 aos 74 anos.
No Exército, além do respeito hierárquico que prevalece, o general Maurer tinha a admiração de seus pares e comandados por sua condição de ferido em missão na luta que os militares travaram contra o comunismo durante o regime militar.
Foto:
Reprodução/EB
Infografia:
Marco Antônio Raimundo
Diplomacia é dom de poucos… 👏👏👏 Dois dedos de prosa é o livro que preciso ler.