MEMÓRIA – Nos (bons) tempos do Poeirinha
Eduardo Gomes
@andradeeduardogomes
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Antes da televisão e quando ninguém imaginava que um dia teríamos internet, Rondonópolis ganhou o CineTeatro Ype, o Poeirinha. Era o ano de 1963 e o empreendimento nasceu da ousadia do empresário Osvaldo Pinto, dono de uma das farmácias mais conceituadas da cidade e membro de tradicional família rondonopolitana. Osvaldo para os antigos moradores é Osvaldão. A ideia do cinema nasceu quando ele cursava Farmácia, em Curitiba, na Universidade Federal do Paraná.
Concluído o curso, Osvaldão retornou para Rondonópolis. Instalou sua farmácia. Com um olho na profissão e outro imaginando construir um cinema, o farmacêutico levou adiante seu sonho e o realizou. Quando da primeira exibição do Cine Teatro Ype, na avenida Cuiabá, a cidade entrou no circuito cultural. Até então, a telona mais próxima ficava na capital, distante 200 quilômetros por estrada sem pavimentação.
Com o Cine Teatro Ype, Rondonópolis entrou no circuito da chamada sétima arte. Na tela, Henry Ford esbanjava heroísmo em O Mais Longo dos Dias; Elizabeth Taylor arrancava suspiros com seu olhar azul-violeta; Claudia Cardinale com seu sangue tunisiano e seios estonteantes abalava casamentos. Rondonópolis marcava encontro no cinema, que além do filme exibia todo santo dia um documentário do Canal 100, que esbanjava em ângulos das imagens dentro das quatro linhas. Vá lá que os jogos eram antigos, mas isso não contava. À época não havia o imediatismo de agora.
Poeirinha. O cinema que era o xodó da cidade ganhou esse apelido, que nasceu da sabedoria popular. Não se tratava de pecha pejorativa, como pode sugerir, mas do rótulo mais apropriado,possível.
À época a cidade tinha 25.504 habitantes concentrados no centro e alguns bairros e não sabia o que era calçamento e muito menos asfalto. A poeira vermelha grudava nas botas, botinas,sapatos e sandálias. Osvaldão caprichava na limpeza do chão do Cine Teatro Ype, mas não adiantava. Com a sala lotada para a próxima exibição, o pó vermelho impregnado nos 180 pares de calçados dos espectadores tomava conta do ambiente. A poeira aumentava com a mexida das pernas durante a exibição ou quando de algum chamego no escurinho do cinema.
Quando chovia a poeira dava lugar ao barro vermelho. Encharcados, os solados invadiam o cinema e secavam durante a exibição do filme; desse modo carregavam mais terra para o piso do que na estiagem. Com isso, o trabalho era dobrado para a equipe de limpeza.
Poeirinha era a imagem lírica da Rondonópolis do ontem, onde a pavimentação afugentou a poeira vermelha.
Em 1974, Osvaldão inaugurou o sofisticado Cine Avenida, na avenida Amazonas, no coração da cidade. Assim Rondonópolis passou a contar com dois endereços para filmes: o Poeirinha, que virou cinema popular, e o Avenida, elitizado.
Ambos os cinemas foram perdendo importância. A TV avançou sobre as famílias invadindo salas e distanciando as pessoas. O mundo mergulhou na chamada globalização que conhecemos bem.
PS – Texto do livro O lugar chamado Rondonópolis, de minha autoria – publicado em 2019 sem apoio das leis de incentivos culturais
Foto:
Acervo Eduardo Gomes
Capa do livro:
Edson Xavier
Meu escritor predileto, sempre nos levando à uma viagem no tempo.