O burro se faz presente
Quem vive e convive jornalismo há algum tempo nota que as redações ganharam novos endereços: saíram dos jornais e se acomodam nas assessorias. Nota mais: o público leitor sofreu drástica redução por envelhecimento, doença ou morte e não há renovação quantitativamente expressiva. Pra quem milita na área fica difícil empunhar bandeiras. O verdadeiro profissional da Comunicação prega quase no deserto, mas por ser profissional e verdadeiro não desiste – mesmo sabendo que no dia a dia seu horizonte ganha mais e mais contornos de adeus, de fim, de final inglório.
A verdade é que a interatividade entre jornalista e internauta – olhemos o jornalismo pelo ângulo dos sites – é mínima. Também é verdadeiro que o desinteresse pela notícia contribui para tanto. Somos ilhas, de um lado escrevendo, e de outro, não lendo ou lendo pouco.
Longe do pessimismo, mas diante da dura realidade penso que a situação é irreversível. O cidadão se sente jornalista de si mesmo, o que em parte é salutar, mas que no contexto esvazia a universalização da informação criando guetos, onde um grupo troca experiências e inconscientes inexperiências, e se sente senhor da verdade grupal para mudar o mundo.
Site (em Mato Grosso) se transforma em ferramenta contratual de divulgação do poder e também reprodutor de assessorias. Políticos, sindicatos, empresas e instituições se cercam de jornalistas para reproduzirem seus desejos, delírios e fazerem silêncio sobre seus erros. Nesse tom o assessor dispara notas às redações – é a migração da redação para a assessoria. Na semana passada, blogdoeduardogomes recebeu 314 notas e postou cinco. Eram textos sobre ofertas de shoppings, de eventos do Sistema S, desempenho de deputados na atuação parlamentar festiva concedendo mimos, resumo de operações policiais, atividades do Ministério Público etc.
Se blogdoeduardogomes postasse as 314 notas teria um grande e diversificado volume informativo chapa branca. O site não acolheu 309 notas em respeito ao jornalismo, aos poucos internautas e em nome da ética que deve nortear quem se presta ao papel de informar.
Indiferente e insensível à luta que alguns travam em defesa do bom jornalismo, o internauta – há exceções – segue opinando, aplaudindo e criticando principalmente situações nacionais, mas bem distante da realidade mato-grossense.
Como tentar convencer o internauta que não lê, da importância da boa leitura isenta? Não é possível. Pior: em momentos de recaída, quando esse mesmo internauta resolve ler algum texto ele terá mais opções nos sites recheados de informações de assessoria. É a verdade.
O jornalismo cada vez mais de contratos publicitários institucionais e de assessoria é exercido em sua maioria por figuras sem a lapidação do batente diário nas redações, sem os calos de quem assumiu causas em defesa do ser humano e de Mato Grosso ganha tonalidade opaca. Dele, por força contratual, nascem com tamanha força os elogios à administração do prefeito Emanuel Pinheiro, de Cuiabá, a ponto de uma amnésia gutembergueana se esquecer por completo do doloroso episódio do paletó.
Uma blindagem ferrenha não deixa que a luz da verdade respingue nas trevas dos erros do governador Mauro Mendes, que está no poder. Foi assim no passado. Continua assim. Imagino que em julho, quando do reiterrogatório do coronel PM Zaqueu Barbosa, do cabo PM Gérson Corrêa, réus da ação de Grampolândia Pantaneira o ex-governador Pedro Taques sentirá na pele a diferença entre o Taques que alimentava a mídia financeiramente e o Taques sem a generosa caneta que liberava os pagamentos aos textos que o afagavam.
Creio que em julho, com os desdobramentos de Grampolândia, Taques será execrado por sites e jornalistas que foram seus comensais. Nada contra o que avalio que acontecerá. Porém, é preciso que se pondere sobre os dois mundos: o Taques poderoso e o Taques fracassado. É asssim nossa mídia. Aos poderosos, os louros; aos caídos, a vala comum. Grampolândia foi atentado contra a cidadania – a mesma cobrada por entusiasmados internautas mato-grossenses no episódio Moro e Deltan Dallagnol. Mato Grosso subestimou e desqualificou a gravação criminosa – não se sabe quantos foram vítimas – feita pela alta cúpula do governo de Taques diante de um ensurdecedor silêncio da mídia sobre a participação ou não de Taques
A blindagem faz jornalismo que não bota o dedo em grandes feridas nesta terra onde boa parte da Assembleia Legislativa está atolada até o pescoço com fatos desabonadores de improbidade administrativa, onde o Estado não consegue executar obras estruturantes, onde cinco conselheiros do Tribunal de Contas Estado (TCE) estão afastados judicialmente, onde há um mar de abusivos duodécimos parlamentares e aridez na saúde pública, onde se fecha delegacias e presídios, onde populações dependem de balsas, onde a criminalidade avança sobre o Estado fazendo o cidadão refém, onde ações sobre grandes escândalos hibernam, onde o empreguismo público é concedido politicamente – mas quem paga é o cidadão.
Uma Imprensa que se divide entre a que assessora e a que vende espaço. Isso é o que nos resta – com uma exceção aqui ou ali – Isso acontece em Cuiabá onde o empresariado não investe na Comunicação sadia, onde até mesmo grandes sindicatos evitam jornalistas que dizem verdade.
O jornalismo morre na terra do Patrono da Comunicação, o herói Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon. Morre no maior polo de produção agropecuária nacional. Sai de cena numa região recheada de bons temas jornalísticos. Agonizante a verdadeira Imprensa está a um passo do fim. Morre.
Certamente quem leu este editorial não é personagem dessa dura realidade. Em desvantagem, em minoria, aguardemos o pior: o fim do jornalismo. Em julho sua vítima será Taques – independentemente ou não da razão dos dedos serem apontados para ele – que tombará sob ‘fogo amigo’.
Resumo: não há lugar onde um burro não entre desde que puxado por seu dono.
Eduardo Gomes de Andrade – editor de blogdoeduardogomes
FOTO: Júnior Silgueiro – Governo de Mato Grosso – Divulgação
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