Boa Midia

O estranho ato para duplicar a Rodovia dos Imigrantes

Eduardo Gomes

@andradeeduardogomes

 

Ponto onde a 070 se separa da 163 e da 364

Nesta sexta-feira, 24, Mauro Mendes autoriza a duplicação da Rodovia dos Imigrantes (BR-070) em seu trecho cuiabano, de 16 km, e autoriza a contratação de uma empresa para realizar idêntica obra na parte várzea-grandense, com 11 km. Não se questiona a realização da obra, que é vital para as duas cidades e o trânsito de longa distância estadual e interestadual. Acontece que o governo de Mato Grosso não é concessionário da BR-070, o que – salvo melhor juízo – poderá resultar na responsabilização do governante por usurpar função da União e ainda ter desdobramentos, além de onerar desnecessariamente os cofres públicos estaduais. Senão vejamos:

Em 2013 o suspeitíssimo grupo Odebrecht – em 2020 rebatizada Novonor – ganhou a concessão da BR-163 em Mato Grosso numa extensão de 850,9 km entre a divisa com Mato Grosso do Sul, em Itiquira, e a MT-220 em Sinop. Em parte deste trajeto a 163 tem trechos coincidentes com as rodovias federais 364 e 070.

A 070 é uma radial que entra em Mato Grosso pela cidade de Pontal do Araguaia, e que forma conurbação com Barra do Garças e a goiana Aragarças. Seu trecho coincidente com a 163 e a 364 começa na Escola Agrícola de São Vicente, no município de Santo Antônio de Leverger (à esquerda no sentido para Cuiabá) e Campo Verde do lado oposto.

Trincheira na BR-163/364 – avenida Miguel Sutil em Cuiabá

A travessia de Cuiabá e Várzea Grande deixa a 070 de um lado e do outro mantém a 163 e a 364. As duas últimas cruzam as cidades pelas avenidas Fernando Corrêa da Costa, Miguel Sutil e Ciríaco Candia (em Cuiabá) e prosseguem em trecho comum pela avenida Mário Andreazza, em Várzea Grande, até o Trevo do Lagarto, onde se reencontram na rotatória com a 070. Uma demonstração de que as duas rodovias permanecem sob tutela do Dnit foi a Copa do Mundo de 2014, quando o governo federal investiu pesado na melhoria do tráfego no trecho federal urbano na região metropolitana, o que resultou inclusive na construção de viadutos, trincheiras e rotatórias.

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Ponte sobre o rio Cuiabá na 070 Rodovia dos Imigrantes

No Viaduto  Luiz Philippe Pereira Leite, no bairro Coxipó, diante do Distrito Industrial de Cuiabá a 070 deixa o trecho coincidente, toma rumo à esquerda, ganha o nome de Rodovia dos Imigrantes e prossegue até o Trevo do Lagarto, em Várzea Grande, onde reencontra na rotatória a 163 e a 364, mas seu traçado é para Cáceres e o Destacamento Militar do Exército, em Corixa, em Cáceres, na fronteira com a Bolívia perto da cidade de San Matias.

Nunca o Dnit e o governo estadual disseram que a Rodovia dos Imigrantes é parte da concessão da 163 pela empresa Nova Rota, controlada pelo Palácio Paiaguás. Não há clareza nem transparência sobre a suposta titularidade mato-grossense sobre o trecho em questão da 070.

Vale observar que nos mapas rodoviários do governo estadual a 070 no trecho em questão, também é chamada de MT-407, mas de fato e de direito é a União que a administra, fiscaliza e faz sua conservação. Mais ainda: em caso de superposição de nomenclaturas de rodovias prevalece a federal, no caso a 070.

BR-163/364 no trecho de Rondonópolis a Cuiabá

MEMÓRIA – O maior corredor nacional de escoamento de grãos se estende por 850,9 quilômetros no trecho compreendido entre o trevo com a MT-220, no acesso a Juara, município de Sinop, e a divisa de Mato Grosso com Mato Grosso do Sul, em Itiquira. Esse filé foi entregue em 27 de novembro de 2013 pelo governo brasileiro ao Grupo Odebrecht, por 30 anos para exploração de pedágio em troca de sua duplicação e conservação, mas com um mimo nos moldes de pai para filho: 400 quilômetros seriam duplicados pelo contribuinte por meio do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), porque tal trajeto já estaria licitado. Detalhe: a duplicação bancada pelo povo compreende os trechos de Rondonópolis a Cuiabá, e de Rosário Oeste a Posto Gil (de Diamantino), onde as rodovias 163 e 364 deixam  o trecho coincidente, com a primeira rumando ao Norte, e a outra a Oeste.

Todo contrato tem cláusula temporal. Nesse caso, a Rota do Oeste deveria duplicar a rodovia fora do trecho delegado ao Dnit para tanto. Caberia a ela, em cinco anos, executar a obra em dois segmentos: da divisa Mato Grosso-Mato Grosso do Sul a Rondonópolis, e de Posto Gil a Sinop. Tal responsabilidade contratual não foi cumprida entre Posto Gil e Sinop.

Mesmo sem investir R$ 5,5 bilhões previstos no contrato da concessão, e de braços cruzados no tocante às obras, a Rota do Oeste, que representa a Odebrecht, fazia da concessão um maná quando o assunto era cobrança de pedágio. No trecho concedido operam nove praças de pedágio (três entre Rondonópolis e Cuiabá).

A concessão era imoral. O Grupo Odebrecht esteve atolado até a medula dos escândalos de corrupção apurados pela Operação Lava Jato em Curitiba. O grau de envolvimento da Odebrecht era tanto, que sua direção criou um departamento de propina para subornar políticos. A cobrança de pedágio sem a duplicação e com a Rota do Oeste justificando que não conseguia financiamento junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) em razão do escândalo em que se meteu, fez do Grupo Odebrecht um tapa na cara dos usuários da rodovia e do Poder em sua amplitude.

Em 4 de maio de 2023 o governo de Mato Grosso assumiu a concessão da 163 substituindo a Rota do Oeste. Para tanto criou a empresa Nova Rota, que é liderada por Cidinho dos Santos, que foi prefeito de Nova Marilândia, suplente de senador, secretário de Estado e presidente da Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM). Pelo jeito, a generosidade com a Odebrecht em 2013 se repete agora com a proposta de duplicação da Rodovia dos Imigrantes e no fim o contribuinte estadual paga a conta.

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