O Portal

Dulce Labio*

O ano era 1972, e aquela menina que cresceu na cidade grande, chegava em um mundo novo.

Um portal se abriu e, lá fora, ficaram a infância e os bolos da vovó Conceição, seu colo na hora do medo, seu carinho nos momentos de saudade…

Ficaram também o grande rádio na mesa, com histórias que povoavam a imaginação, e na parede o relógio antigo que marcava a hora de aula no grupo escolar e no tão amado colégio estadual…os encontros com os amigos, muitos amigos.

As reuniões com tios e primos aos poucos foram dando lugar aos passeios com a turma, as domingueiras dançantes nas garagens, os ensaios no teatro, as tardes na biblioteca, o primeiro namorado esperando na esquina, as poesias na janela…

Bauru, São Paulo…a badalada Batista de Carvalho, a rua mais famosa onde a moçada “batistava” com suas botinhas e microsaias, calças Lee e jaquetas de couro, e curtiam Beatles, Led Zeppelin, Roberto e Erasmo.

Tudo ficou lá.

No portal, agora, outro mundo.

A menina deu um passo adiante, seus pezinhos tocaram o chão de terra, e uma poeira incrivelmente vermelha se levantou a pairar…

A menina era eu, encantada com a natureza viva daquele lugar, hospitaleiro, quente, como o ar e o coração de seu povo.

Ah, Rondonópolis, Mato Grosso, terra escolhida por meu PAI para fincar suas raízes, terra que o acolheu nos anos de sua mocidade e de sua velhice!

Terra da poeira vermelha dos anos idos, que colava na pele e na alma, nos prendendo irremediavelmente aos seus encantos.

Assim fiquei nessa Terra de Rondon e na ainda jovem cidade, antes Povoação do Rio Vermelho, tudo era novo. O contato com a natureza pura no sítio encantava a menina que só conhecia a selva de pedra. A localidade chamada Três Pontes teve início com a chegada de meu pai, Evaristo, e mais algumas familias que se agruparam em pequenas propriedades formando assim a corrutela, ou vila.

Muitas páginas seriam necessárias para contar a saga do grande desbravador Evaristo de Labio, quando chegou no ano de 1958 à Rondonopolis, apenas cinco anos depois de sua emancipação política, que se deu em 10 de Dezembro de 1953. Incansável na sua plantação de café, destemido nas noites mata a dentro em busca de caça para sustento da família…mas quero falar apenas do seu grande amor por nós, e da dor, que trancou no peito quando, para dar aos filhos o que não teve, os estudos, nos enviou para longe, para a cidade grande.

Recordo as dificuldades das viagens, do transporte precário em carrocerias de caminhão…ônibus, trem…a comunicação muito difícil, cartas chegavam após meses e os telegramas eram o que havia de mais rápido. E isso graças ao Marechal Rondon, engenheiro militar e sertanista que comandou as expedições da Comissão Construtora das Linhas Telegráficas nos anos de 1.907 e 1.909. Rondon passou a ser o Patrono da cidade.

Rondonópolis crescia, agregando diversas localidades em seu entorno, logo Três Pontes ganhou sua linda igrejinha com missas domingueiras, leilões e bailes comemorativos das principais datas ecumênicas, e por muitos anos o leiloeiro Evaristo fez a festa e a alegria da comunidade que hoje não é mais a mesma, mas continua ali…

Também cresceu a menina que se encantou com a poeira vermelha, com os passeios na Av. Marechal Rondon, com os coloridos tecidos na Casa Araújo do tio Henrique, os novos amigos do E.E.M.O.P., os bailes no Roo Clube, ABR, o BarBarella, a Choupana…nova vida, novos professores, novos amores…

Cresceu, a menina que escrevia poesias na janela…e seu amor por Rondonópolis, jamais esqueceu.

*Dulce Labio é empresária, escritora e poetisa

Fotos:

Acervo Dulce Labio

Infografia: Marco Antônio Raimundo