O religioso que elege papa e abandonou Pedro Casaldáliga
Eduardo Gomes
@andradeeduardogomes
eduardogomes.ega@gmail.com
O Colégio de Cardeais do Vaticano, que elegerá o sucessor do papa Francisco, morto na segunda-feira (21), no próximo conclave, é composto por 252 integrantes, dos quais oito são brasileiros. Um deles, Dom Raymundo Damasceno Assis, de 88 anos, arcebispo emérito de Aparecida do Norte (SP), não poderá votar, embora participe das discussões e possa ser votado. Pelas regras do Vaticano, os cardeais com mais de 80 anos de idade não têm direito a voto. O eleitorado brasileiro é formado pelos cardeais João Braz de Aviz, Paulo Cezar Costa, Sérgio da Rocha, Odilo Pedro Scherer, Jaime Spengler, Orani Joāo Tempesta e Leonardo Ulrich Steiner. A matéria focaliza Dom Leonardo Ulrich Steiner, por sua passagem pela Prelazia de São Félix do Araguaia, onde as águas do Araguaia testemunharam sua tentativa de se livrar do antecessor Dom Pedro Casaldáliga.
Dom Leonardo Steiner é arcebispo Metropolitano de Manaus e duplamente cardeal: pela nomeação papal e por ser primo de Dom Paulo Evaristo Arns, que o ordenou sacerdote. Nomeado bispo prelado de São Félix do Araguaia em 2005, Dom Leonardo Steiner desembarcou naquela cidade pequena, de vida pacata ditada pelo ritmo das águas do Araguaia que passam ficando. Assumiu a prelazia, que tinha a cara de Dom Pedro Casaldáliga – que era chamado de Pedro – seu primeiro pastor, ali recebeu a ordenação para responder por uma prelazia que nascia ao mesmo tempo.
Dom Leonardo Steiner tinha a sombra de Pedro, que tornou-se bispo prelado emérito. Na Catedral Prelatícia Nossa Senhora da Assunção os fiéis buscavam pelo Pedro. Em São Félix do Araguaia, nas cidades e vilas da região, nas comunidades, nas aldeias, nos assentamentos todos os olhos tentavam encontram Pedro, mas o pastor era Dom Leonardo Steiner.
Muito discretamente e longe do olhar dos fiéis e principalmente da mídia, Dom Leonardo Steiner preparou um bota-fora para sua sombra. Porém, a Santa Madre não avalizou nem permitiu que tal acontecesse com o pensador, líder da igreja progressista e figura reconhecida internacionalmente.
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O golpismo de Dom Leonardo Steiner não prevaleceu, Pedro continuou, mas até sua morte amargou uma estranha solidão ditada pela prelazia e compartilhada pela esquerda; é preciso ressaltar que os índios, sem-terra, acampados e trabalhadores rurais nunca o abandonaram. Em 2012 Dom Leonardo Steiner arrumou as malas deixando Pedro e São Félix do Araguaia para trás. Dom Adriano Ciocca Vasino o sucedeu e por sua vez entregou a prelazia para Dom Lúcio Nicoletto.
Em 8 de agosto de 2020, Pedro morreu em Batatais (SP) onde estava acolhido numa casa para religiosos aposentados. Debilitado por conta de uma queda em um acidente doméstico e enfrentando a doença de Parkinson, Deus o levou. Em 12 de agosto daquele ano, seu corpo foi carregado para uma cova rasa à margem do Araguaia, num antigo cemitério onde os peões e prostitutas eram sepultados. Nem a morte retirou Pedro de São Félix do Araguaia, e muito menos Dom Leonardo Steiner, que será um dos eleitores na escolha do próximo papa.
Sobre o abandono de Pedro, em 27 de novembro de 2019 escrevi o texto abaixo:
Pedro Casaldáliga o líder abandonado pela esquerda
Silêncio total e absoluto. O corpo frágil, vencido pelo passar dos anos e a doença de Parkinson já não mais reage aos estímulos do cérebro. Aos 91 anos o prelado que inspira a Igreja Católica Progressista luta pela vida preso a uma cama num minúsculo quarto na casa onde mora há décadas. A duras penas faz um vacilante sinal com a mão esquerda numa saudação que se completa plena com o brilho de seu olhar – inalterado por seu quadro de saúde. Esse cenário é parte do calvário do bispo emérito da prelazia de São Félix do Araguaia, na cidade do mesmo nome. Seu complemento é mais trágico ainda, pois atinge a alma que move o pastor mais conhecido do Brasil no exterior: a ausência da militância do PT, PCdoB e do PSOL; dos grandes líderes nacionais da esquerda, do comando do MST, dos artistas famosos que sempre o citam enquanto referência, da cúpula sindical. TODOS, sem exceção, o abandonaram. Pere Casaldàliga i Pla ou Dom Pedro Casaldáliga ou ainda Pedro, que é como gosta de ser chamado, agoniza na solidão.
Um pequeno e barulhento ventilador, no piso, no quarto de Pedro, com seu vaivém desengonçado e incessante, ameniza o calor, que é marca registrada na região.
Estive ao lado de sua cama na sexta-feira, 22 deste novembro. Ao longo de três dias não vi nenhuma movimentação de visitantes. Uma desgastada cadeira de rodas, ao lado de seu aposento testemunha sua vida na casa onde mora em São Félix do Araguaia, sob os cuidados de dois enfermeiros, dois cuidadores de idosos, duas funcionárias que fazem a limpeza e da onipresente dona Diolice Dias de Farias, uma goiana que desde 1992 é o braço direito de Pedro. Sem permanência constante, mas sempre atento, o padre Ivo Cardozo, da prelazia – no bom sentido – é o cão de guarda: filtra a tentativa de aproximação dos jornalistas que não rezam pela cartilha da esquerda e sequer permite ser fotografado.
A solidão de Pedro deixa a esquerda numa dualidade. Durante a prisão do ex-presidente Lula da Silva, militantes ideológicos e partidários montaram acampamento ao lado da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, onde o mesmo ficou trancafiado. Em São Félix do Araguaia nenhuma cara aparece ao longo da enfermidade do pastor, que começou em agosto de 2015, quando fraturou o fêmur da perna esquerda e submeteu-se a uma cirurgia com o médico Antônio José de Araújo, no Hospital Pio X, em Ceres (GO). “Eu o levei pra lá, onde foi atendido pelo SUS“, revela padre Ivo. No único momento de descontração com a reportagem, o sacerdote disse que “idoso não quebra fêmur na queda; ele quebra (o fêmur) e cai”.
Além da solidão ideológica, Pedro também enfrenta o abandono de São Félix do Araguaia, o que não é surpresa para ele. A cidade (e a região também) o culpa pelos baixos indicadores sociais que carregou por muitos anos, observando que investidores não se arriscavam por lá, temendo a insegurança jurídica em razão das ondas de invasões de terra que levavam as digitais do dirigente da prelazia.
ALIMENTAÇÃO – Dona Diolice cuida de tudo. Pedro faz um lanche matinal, almoça, repete o lanche à tarde e alimenta-se à noite. Mas seu cardápio é exclusivamente com comida pastosa à base de arroz, legumes, verduras e algumas frutas. A medicação fica a cargo dos enfermeiros, mas com supervisão do clínico geral Márcio Duarte.