Quarenta anos do Hospital Júlio Müller

Francisco Souto*

Cuiabá

Em janeiro de 1984, eu terminava meu estágio de Residência Médica no Hospital Universitário do Fundão (UFRJ), quando me deparei com um pequeno cartaz afixado em um corredor. Anunciava a realização de concurso público federal em Cuiabá, no mês seguinte. O objetivo era lotar professores e técnicos para viabilizar a abertura do Hospital Universitário Júlio Müller (HUJM) da UFMT. Vim para Cuiabá e prestei o concurso. Fui selecionado. Mudei-me para cá em abril.

Em julho de 1984, o HUJM foi inaugurado; e eu, contratado. Aquele cartaz, esse hospital e essa Universidade mudaram minha vida. Aqui estou há 40 anos, aqui nasceram meus filhos, aqui construí minha carreira profissional, acadêmica e de pesquisador. Devo muito ao HUJM e à UFMT, que me proporcionaram realizar Mestrado, Doutorado e pós-Doutorado. O que me permitiu contribuir para a expansão e consolidação da formação médica e da própria Medicina em nosso estado.

Naquele distante 1984, o HUJM foi inaugurado com tímidos 40 leitos, divididos nas áreas de clínica médica, pediatria, cirurgia geral e tocoginecologia. Lentamente, foi expandindo sua capacidade, chegando aos pouco mais dos 100 leitos de hoje, incluindo UTI para pacientes adultos e uma UTI neonatal, uma das poucas do estado. Atualmente seus espaços estão saturados, sendo fisicamente impossível novas ampliações. É só um hospital de médio porte. Porém, tem contribuição qualitativa na prestação de assistência médica à Sociedade. Fato facilmente comprovado pelo grande número de cidadãos que foram beneficiados pelo seu atendimento e que continuam recorrendo aos seus serviços nos dias atuais. A população mato-grossense cultiva especial carinho por esse hospital, reconhecendo o esforço de seus profissionais e estudantes por acolher bem e por dedicar suas habilidades ao alívio dos problemas de saúde dos populares.

O HUJM foi fundamental em momentos cruciais da história sanitária recente de Cuiabá e de Mato Grosso. Ainda no fim dos anos 80, foi por muito tempo o único hospital que atendia às vítimas da aids. Isso em uma época na qual ser infectado pelo HIV correspondia a uma sentença de morte. Sempre que novas endemias assolavam nossa região, o HUJM era designado pelas autoridades sanitárias como o principal hospital de suporte, de referência para o atendimento da ameaça de turno. Foi assim com a dengue, com a gripe aviária, com o hantavírus, e, mais recentemente, com o atendimento das gestantes com quadros graves de covid-19. Ainda hoje, é referência regional para casos de malária, leishmaniose, hepatites, gestação de alto risco e doenças pediátricas genéticas, entre outros agravos.

O HUJM continua como o único hospital federal em todo o nosso vasto estado. Desde sempre, atendeu a população sem cobrança por seus serviços, mesmo antes da criação do SUS, que só viria em 1990. Além de hospital, uma escola. A UFMT, através do HUJM, formou os primeiros cidadãos mato-grossenses nas carreiras da Saúde que não precisaram sair do estado para realizar seus sonhos. Do mesmo modo, no início dos anos 1990, foi pioneiro em ofertar vagas de Residência Médica para especializar os jovens recém-formados, contribuindo sobremaneira para a capacitação dos profissionais e para qualificar mais a assistência médica em nossa região.

Mais uma vez, anos mais tarde, o HUJM foi o primeiro hospital a ofertar curso próprio de Mestrado na área da Saúde, com ênfase no ambiente hospitalar. Ainda hoje é o único hospital no estado a possibilitar esse nível de pós-graduação em Mato Grosso. Atualmente, médicos, enfermeiros, nutricionistas e outros profissionais que passaram pelo HUJM estão espalhados pela região metropolitana da capital, no interior do estado, em outros estados e regiões brasileiras. E até mesmo no exterior.

Aproxima-se o aniversário de 40 anos do HUJM. Julho de 1984 parece ter sido ontem. Só o tamanho do que foi feito permite concluir que foram, de fato, 40 anos. Devemos lembrar e agradecer aos heróicos alunos das primeiras turmas, que fizeram corajoso movimento paredista para serem ouvidos, exigindo a criação de hospital universitário próprio da UFMT. Agradecer à classe política e acadêmica, aos profissionais da área de saúde e à própria Sociedade mato-grossense, que lutaram pela abertura do hospital. Devemos todos nos orgulhar dessa história e dos feitos da instituição durante essas quatro décadas.

Mas, repetindo o surrado jargão: nem tudo são flores. Esta história não foi construída com facilidade. A luta inicial dos primeiros alunos já vaticinava a dificuldade que seria gerir o HUJM, assim como é com qualquer hospital público em nosso país. Sempre com dificuldades orçamentárias, entre embates com reivindicações classistas, com difíceis negociações com as autoridades gestoras federais, estaduais e locais. Administrar um hospital público no Brasil não é tarefa fácil. Me confraternizo com os colegas, que como eu, carregaram o difícil cargo de Diretor Superintendente do HUJM, nas pessoas de seu primeiro Superintendente, o sempre elegante Dr. Fernando Arruda, e da inspiradora Dra. Maria de Fátima de Carvalho Ferreira, gestora atual.

                             “Esta história não

                             foi construída

                             com facilidade”

Agora, novos desafios se avizinham. Há muito tempo que as antigas, e muitas vezes improvisadas, instalações do HUJM não possibilitam a expansão de seus serviços, nem um melhor acolhimento ou melhores condições de trabalho. Espera-se a conclusão do novo hospital da UFMT, na estrada para Santo Antônio de Leverger, até o fim de 2024. Mais amplo, com instalações modernas e, esperamos, com maior capacidade para atender os anseios da população que depende do SUS. Um novo capítulo na história do HUJM se aproxima. Que seja tão importante para nossa Sociedade como foi nos últimos 40 anos.

*Francisco José Dutra Souto é médico com mestrado em Gastroenterologia, doutorado em Medicina Tropical e pós-doutorado; aposentado, foi professor titular em Clínica Médica na UFMT e vice-reitor daquela universidade; foi diretor superintendente do HUJM no período de 2014 a 2017, e continua atuando enquanto médico naquela unidade hospitalar.