Boa Midia

Sensei Manao, o Senhor Judô

Eduardo Gomes

@andradeeduardogomes

eduardogomes.ega@gmail.com

Desde sua emancipação em 1953 Rondonópolis tem forte presença da colônia nipo-brasileira, mas não foi somente por essa razão que Manao Ninomiya, recém-chegado do Japão, resolveu trocar Campo Grande por ela. Sensei do empresário Ibrahim Zaher, ele ouviu do aluno de judô que lugar bom para trabalhar e ganhar dinheiro era aquela cidade à margem do rio Vermelho e que reverencia o Marechal Rondon. Isso em 1972. Transcorridos quase meio século seu endereço permanece o mesmo: em Rondonópolis. O que mudou em sua vida? Era solteiro; agora é casado, tem filhos e netos – mais: por seu tatame passaram mais de seis mil crianças, adolescentes e adultos de ambos os sexos. Chamá-lo pelo nome é correto, mas, por questão de justiça, o mestre da arte marcial que é referência de seu esporte em Mato Grosso pode bem ser chamado Senhor Judô.

Manao chorou apenas uma vez na vida: em 26 de setembro de 1943, quando nasceu, em Mibu. Menino criado no Japão arrasado pela guerra, trabalhava de sol a sol como se fosse adulto, dando duro no cultivo do arroz. Encantando com o judô, o via de longe, pois não tinha recursos para comprar quimono, até que um dia a sorte mudou. Entrou no tatame e nunca mais saiu, nem mesmo nos sete anos em que foi policial e chegou a integrar o corpo de segurança do primeiro-ministro – ora estava atento ao trabalho ora treinava com a dedicação oriental.

Alunos do sensei Manao, na Escola Técnica Federal em Cuiabá, coordenados pelo sensei Robério Libânio, para uma competição entre as duas cidades, no ano de 2000

 

Em 31 de dezembro de 1968 embarcou num navio rumo ao Brasil em busca de oportunidade de vida no ensolarado país onde vivia uma grande colônia de sua terra. Depois de 43 dias no mar, desembarcou em Santos. Teve um curto período naquela cidade, em Mogi das Cruzes e na capital paulista. Pegou no batente no paulistano bairro da Liberdade, povoado por japoneses e seus descendentes – lá, vendia anúncios de jornal editado em japonês. Em São Paulo foi convidado para ser professor, mas não tinha documentação para tanto e o governo encontrava dificuldade momentânea para expedir Carteira de Trabalho. Enquanto aguardava pela possibilidade de requerer aquele documento foi para Campo Grande, então Mato Grosso, retornou para São Paulo e novamente voltou para a atual capital de Mato Grosso do Sul.

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O JAPÃO É AQUI – Em Campo Grande Manao montou uma academia e o empresário Ibrahim Zaher era seu aluno. Zaher sugeriu que ele se mudasse para Rondonópolis, onde havia mais campo para a expansão de sua atividade. Zaher pertence a uma família que tem uma agência Chevrolet e investimentos em Rondonópolis, há décadas.

Rondonópolis era uma cidadezinha empoeirada, sua energia era gerada por conjunto estacionário e sequer contava com telefonia interurbana. Isso em 1972. Enquanto preparava a instalação de uma academia vendia frutas e legumes numa pequena mercearia em imóvel alugado. Em 1974 finalmente surgiu a Associação de Judô e Cultura Física de Rondonópolis e o sensei Manao cedeu seu nome para a fundação da Federação Matogrossense de Judô, e ratificou essa cessão quando da criação de Mato Grosso do Sul, o que obrigou a reestruturação da federação

Rondonópolis, desde seus primórdios, sempre esteve de braços abertos aos japoneses.

Em 2008, na celebração do centenário da imigração japonesa, a colônia nipo-brasileira recebeu homenagens em Mato Grosso. Na cidade de Rondonópolis foi erguido um marco alusivo, na Avenida Lions Internacional, nas imediações do Cemitério de Vila Aurora, no bairro do mesmo nome.

A maior colônia de imigrantes em Mato Grosso é a japonesa. Em Rondonópolis, uma rua no Parque Real, a Hiroshi Kawatoko, homenageia a memória de um japonês que contribuiu para o desenvolvimento daquela cidade.

Quem diria, que o beisebol, um dos esportes mais populares do Japão seria praticado na poeira vermelha do cerrado de Rondonópolis há meio século? Pois é. No final dos anos 1960 e até meados da década de 1970 havia um improvisado campo de beisebol perto do Colégio La Salle, na região onde hoje situa-se o Fórum. O local era conhecido como Campo do Japonês. A discreta colônia nipo-brasileira ali se encontrava nas manhãs dos domingos, para animadas partidas com direito a torcida feminina

Pedra Preta foi distrito de Rondonópolis. A formação daquele núcleo urbano começou em 1956, por iniciativa do imigrante japonês Noda Guenko, que residia em Rondonópolis. O primeiro nome foi Vale do Jurigue, posteriormente mudado para Alto Jurigue. O encarregado por Guenko da colonização da gleba de 3.872 hectares onde mais tarde surgiria a cidade de Pedra Preta foi Jinya Konno, nascido em Kurokawa, no Japão.

Acompanhado pela esposa sansei Tokiko Konno, nascida em Marília (SP), Jinya Konno chegou ao Jurigue em 1956, procedente de Guaraci, no interior paulista. As dificuldades enfrentadas na abertura do povoado trocaram de lugar com o conforto de agora.

EM FAMÍLIA – Sozinho, nem pensar. Manao casou-se em Cáceres com a cacerense Mitsuko Sato e o casal Ninomiya tem quatro filhos, todos rondonopolitanos: Kazuo, Mie, Kouji e Yukio. Os herdeiros lhes deram os netos: Karina, Kazunori e Midoti, que a exemplo dos pais, também nasceram em Rondonópolis.

Em 2000 o sensei Manao participou da fundação da Liga Nacional de Judô e da Liga de Judô Matogrossense

Por seu tatame passaram mais de seis mil judocas, dos quais, dois com a formação de faixa coral e 30 de faixa preta. Seu filho Kazuo era faixa coral 6º Dan; Mie e Yukio, são faixa preta 2º Dan; e Kouji, faixa roxa. Todos seus netos são faixa marrom. O sensei Kazuo fechou os olhos para sempre em 4 de novembro de 2019, vítima de um infarto, pouco antes de subir ao tatame para mais uma aula de judô.

Alunos do sensei Manao

O trabalho desenvolvido pelo sensei Manao na área esportiva e social – atendendo alunos carentes e contribuindo para a formação moral dos judocas – ganhou o reconhecimento da Assembleia Legislativa, que em 24 de março de 2016, por unanimidade, aprovou projeto de resolução do deputado José Carlos Junqueira de Araújo, o Zé Carlos do Pátio, que lhe concedeu o Título de Cidadão Mato-grossense. Sua cidade também o reconhece oficialmente. Em 28 de junho de 2017 a Câmara Municipal outorgou-lhe a Medalha do Pioneiro, proposta pelo vereador Fábio Cardozo.

A cidade o reverencia e se acostumou ao seu sotaque carregado, que nem o tempo nem a convivência com a população consegue eliminar. Trocando letras, falando meio cantarolado, o sensei Manao se comunica. Sua memória é invejável. É capaz de cumprimentar pelo nome do ex-aluno no passado distante. Ainda que chame Arimateia de Rrrrimateá ou Arthur de Aturô, mas ele lhes dirige a palavra identificando-os tal qual suas grafias estão em seus incontáveis rabiscados caderninhos de matrículas.

O sensei Manao Ninomiya e faixa vermelha 9º dan – mestre reconhecido pelo judô mundial.

Sua nacionalidade japonesa mistura-se com a cidadania rondonopolitana que conquistou dia após dia no incessante ensinamento do judô ao longo meio século. Seu esporte e sua cidade lhe rendem homenagem.

PS – Eduardo Gomes é ex-aluno do sensei Manao, e pai dos rondonopolitanos Agenor e Luiz Eduardo, ambos ex-alunos do sensei Manao.

Infografia:

Marco Antônio Raimundo

Fotos: 1 – www.atribunamt.com.br – Rondonópolis

2, 3 e 5 – Eduardo Gomes

4 – Magno Jorge

1 comentário
  1. Yael Botelho Diz

    Excelente.

    Yael Botelho – publicitária – Cuiabá

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