Ulysséa e o vereador imexível
Aos sábados, domingos e feriados nacionais CURTAS é substituída por capítulos do livro “Dois dedos de prosa em silêncio – pra rir, refletir e arguir“, escrito e publicado em 2015 pelo jornalista Eduardo Gomes de Andrade, sem apoio das leis de incentivos culturais. A obra foi ilustrada por Generino. Capa: Édson Xavier.
Capítulo:
Ulysséa e o vereador imexível
Walter de Souza Ulysséa, prefeito de Rondonópolis pela Aliança Renovadora Nacional (Arena), levou adiante uma administração moderna e inovadora que nos seis anos de seu mandato (1977/82) mudou a cara da cidade. Esse bom desempenho não era a única face do poder no município, pois na penumbra, entre quatro paredes, havia uma relação nada ortodoxa com a Câmara.
Isidoro Abílio de Moraes Filho, o Dorito, não era o que se pode chamar de vereador confiável para os padrões das relações mantidas na penumbra entre prefeituras e câmaras municipais e vice-versa.
Eleito vereador pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), Dorito não hesitava em disparar ataques verbais a esmo. Ora criticava com a prudência necessária o regime militar vigente, ora defendia seus interesses eleitoreiros, ora se levantava contra o prefeito Ulysséa.
Na penumbra, Ulysséa mantinha bom relacionamento com Dorito. O prefeito comparecia pontualmente ao passo que o vereador nem sempre se lembrava de cumprir seu papel.
Cheio da inconstância de Dorito, Ulysséa mandou cassá-lo por quebra de decoro parlamentar, o que não seria difícil. Getúlio Balbino Guimarães (Arena) foi encarregado da missão. Como era da elite, empresário de sucesso e oriundo de Guiratinga, de onde também procediam os familiares do alvo da missão determinada pelo prefeito, Getúlio transferiu a responsabilidade para Terêncio de Andrade (Arena).
Em meados de 1979 em Rondonópolis o assunto predominante era a degola de Dorito. Essa certeza ganhava mais corpo ainda porque a bancada emedebista, de quatro vereadores, votaria com os arenistas. A situação era complicada para o vereador, já que seus correligionários Rozendo de Souza e Miguel Ramos jogavam abertamente no time de Ulysséa, e Maria Niuza, por orientação partidária, queria se ver livre do colega e companheiro de partido.
Noite de sessão ordinária, em que o assunto Dorito entraria na pauta. Um a um os vereadores chegam à Câmara, no cruzamento da Avenida Cuiabá com a Rua Arnaldo Estêvão de Figueiredo. Na plateia, Isidoro Abílio de Moraes, o pai de Dorito, queixa-se ao vereador Nelson Pereira Lopes (Arena) que estava sentindo fortes dores de ouvido. Nelson, solidário, quer saber o que se passa. Isidoro explica que o problema começou naquele dia, depois de ter voado num monomotor no trecho Rondonópolis-Poxoréu-Iporá (GO)-Rondonópolis.
Nelson quer saber o motivo da viagem. Isidoro revela o segredo: – Você sabe Nelson, o Terêncio quer cassar o Dorito. E ele, Terêncio, é bígamo. É casado em Poxoréu e Iporá. Por isso, fui aos cartórios de Registro Civil daquelas cidades buscar as certidões dos dois casamentos. Ou seja, meu filho vai pra casa sem mandato, mas o Terêncio vai pra cadeia.
Mal acaba de ouvir, Nelson deixa Isidoro e se reúne com os vereadores numa sala ao lado da presidência. Minutos depois começa a sessão, em que o assunto Dorito é prontamente abafado.
Terêncio continuou bígamo. Dorito não mudou e seu relacionamento com o prefeito tornou-se outros quinhentos. Retratos da democracia brasileira no ontem que se mantêm inalterados no hoje.
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