Uma epopeia chamada Xingu-Araguaia
Na segunda metade da década de sessenta, teve início ao avanço da pecuária de corte na região Nordeste do Mato Grosso. São cinquenta anos de história, que fizeram dessa região hoje, uma das mais promissora do Estado. Nossa região que aqui tecerei alguns comentários, compreende os municípios de Alto Boa Vista, Canabrava do Norte, Confresa, Luciara, Porto Alegre do Norte, Santa Cruz do Xingu, Santa Terezinha, São Félix do Araguaia, São José do Xingu e Vila Rica, um total de 6.508.176 hectares (Fonte: IMEA 2018) e uma população de cerca de 111.367 habitantes (Fonte: IBGE população estimativa (2019).
Com o levantamento da BR-080 em 1970 e da BR-158 em 1978, dois importantes eixos viários desta rica região, tudo ficou mais acessível, propiciando o avanço da atividade econômica base de áreas pioneiras: gado de corte. Vale ressaltar que a antiga BR-080, atual MT-322, estrada de chão até os dias de hoje, se encontra em péssimo estado de conservação, enquanto que a BR-158, ainda tem cerca de 126 quilômetros sem pavimentação asfáltica. Inacreditável!
Inicialmente, na região do Xingu, foram os paulistas os primeiros a chegar. Logo vieram os mineiros e goianos. Já em Vila Rica, os mineiros se adiantaram. Daí o nome “Vila Rica”. Por último vieram os agricultores do Sul do país, paranaenses e gaúchos, para tocar uma outra atividade econômica de exploração do solo: a agricultura.
Falar desta região é remontar a um passado de mais de meio século, e relembrar a história do Estado, relativamente recente, quando em 1977 foi dividido, criando Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Voltando mais um pouco na História, pelo Tratado de Tordesilhas, de 1494, o atual Estado de Mato Grosso pertencia ao então Reino de Espanha. Os Bandeirantes paulistas, adentrando os interiores daquele Novo Continente, as Américas, garantiram essa imensidão que hoje é o Brasil, condição esta mantida pelo Imperador D. Pedro I, que conseguiu manter unido nosso imenso território, apesar das várias tentativas revolucionárias de desagregar o Brasil Império. Ainda hoje, países europeus, Canadá e EUA tentam tirar nossa Amazônia.
Mas voltando à nossa região Nordeste de MT, muitos dos pioneiros que se atreveram a vir tentar a vida naqueles anos 1970, ainda são vivos e relembram das inúmeras dificuldades daqueles difíceis tempos. A falta de estrutura de suporte como postos de combustível, consertos de veículos, acomodações para pouso e refeições, além das estradas em péssimos estado de conservação, constituíram um desafio que poucos se atreveram a enfrentar. Dormir no veículo, carregar enxadão, enxada, machado, cozinhar nas beiras de córregos, era normal. Meu falecido pai, em 1973, percorria os intermináveis 1.600 quilômetros de Pereira Barreto, noroeste do Estado de São Paulo com destino a São José do Xingu e chegava a gastar com sua C-10, 15 dias de viagem no período das águas.
Destes primeiros “bandeirantes modernos”, alguns de seus filhos deram continuidade aos negócios da família, se modernizando e adaptando às novas técnicas de produção na pecuária ou na atividade agrícola. Atualmente, além da pecuária de corte e da produção de grãos, temos também uma forte expressão na pecuária de leite, esta nas pequenas propriedades de assentamento do INCRA.
No Nordeste de Mato Grosso, de São Félix do Araguaia em direção a Vila Rica, a agricultura teve início mesmo, com mais expressão, no início do século XXI, em 2001, com a chegada de agricultores goianos e depois sulistas à região. A crise de 2003 deu uma parada neste avanço, mas logo foi tomando impulso novamente. E mudaram sobremaneira o panorama de toda aquela região. Se para a pecuária de corte foi difícil no início, para uma atividade muito mais dependente de boas estruturas viárias, de oficinas mecânicas, casas de peças, as dificuldades foram imensamente maiores. Sem estradas, sem caminhões para puxar insumos ou levar a produção, administrar as colheitas foi um grande transtorno. Um imenso desafio, que até os dias de hoje, após 20 anos, permanece, graças ao contínuo descompromisso dos governos estaduais, à corrupção, aos desvios de recursos públicos para interesses pessoais.
Cabe aqui lembrar que há mais de 20 anos pagamos ao governo do estado de Mato Grosso o famigerado FETHAB, recurso mal aplicado, desviado de sua finalidade, desviado para corrupção, para pagar obras da Copa do Mundo que aqui se realizou e por aí vai. Como diria minha querida avozinha, um “flagelo”.
Mas com tudo isto, conseguiram estes bravos e competitivos produtores rurais mudar o perfil desta região, que dentro oito a 10 anos, vai ser a 2ª região produtora de grãos em todo o Estado de Mato Grosso (Fonte: IMEA). Vale lembrar, que essa área de avanço da agricultura se dá exclusivamente em áreas de pastagens, não necessariamente degradadas, pois temos excelente condições de capim implantados por toda a extensa região do Nordeste de Mato Grosso.
Aliás, essa realidade da agricultura brasileira traz um grande incômodo aos países do Velho Mundo, bem como aos Estados Unidos, onde aqueles primeiros têm um sistema de produção agropecuário arcaico e falido, com elevados subsídios. Para algumas culturas, como é o caso do trigo na Irlanda, o custo de produção já é igual à receita ou mesmo maior, para 90% dos agricultores.
Se hoje o BRASIL tem segurança alimentar, na década de 1970 importávamos praticamente todos os alimentos. Em cinquenta anos mudamos nossa condição de importadores de alimentos para exportadores de alimentos por excelência. Temos uma condição de proteção e conservação de nossos recursos naturais inigualável, única em todo o mundo e um exemplo para o planeta; temos uma biodiversidade absurdamente grande, com seis biomas; temos uma tecnologia tropical de produção desenvolvidas por nós brasileiros, mérito da nossa EMBRAPA, tecnologia esta que exportamos para países africanos; temos uma imensidão de área agricultável, culminando com 70% de nossos solos como latossolos, próprios à agricultura de larga escala; somos um país continente. Isso causa incômodos, particularmente aos europeus. Somos o NOVO MUNDO, a esperança do planeta Terra na produção de alimentos. Mas isso não é tudo. Em nossa região fazemos três safras anuais em mesmo local, assim como em várias outros municípios de Mato Grosso.
A história dos avanços econômicos do Brasil e da evolução da agricultura se fundem, desde os áureos tempos do café, cultura que teve início lá pelos idos de 1791, quando esgotado o ciclo do ouro em Minas Gerais, e mais uma opção além da cana-de-açúcar, outra importante atividade econômica do BRASIL colônia e Império. O café foi implantado através das primeiras sementes vinda da Guiana Francesa, cultivadas na então Província do Grão-Pará. Em poucos anos se consolidou como o carro-chefe da exportação agrícola. Hoje a soja encabeça uma extensa lista de produtos agrícolas exportados, responsáveis por subsidiar o PIB do país, por representar 21,4% do nosso PIB nacional (2019). Já o Estado de Mato Grosso, no ranking nacional, é o maior produtor de carne bovina, soja, algodão, milho e girassol.
Se segurança alimentar hoje mais do nunca é um fator de segurança nacional de qualquer país do planeta, o Brasil, a partir da década de 1970, quando a nossa EMBRAPA criou novos cultivares de soja adaptados ao cerrado de clima tropical, revolucionou toda uma técnica de produção, alçando o Brasil ao status de “celeiro do mundo”, frase que ouvíamos nos tempos de escola durante o governo militar. Se naquele tempo soava distante, utópico, hoje é uma realidade absoluta e irreversível. Aliaram-se aí técnicas de produção, como plantio direto, novos cultivares, agricultura de precisão, tudo isso besuntado com uma inigualável capacidade empresarial de produção de nossos produtores rurais.
Mas nem por isso, a pecuária de corte do estado de Mato Grosso ficou para trás. Se nestes últimos vinte anos a produção agrícola mato-grossense cresceu de 13 para 71 milhões de toneladas agrícola (e fibras) e a área de 5 para 13 milhões de hectares (Fontes: IMEA, CONAB, IBGE, SEPLAN), o rebanho de gado bovino no Estado não diminuiu, mas cresceu, graças à novas práticas de suplementação na cria, recria e engorda, na interação lavoura-pecuária-floresta, no investimento em genética animal, na prática de semiconfinamento e confinamento, propiciando desta feita, grandes avanços na pecuária de corte mato-grossense. Esta projeção não se aplica só para o Nordeste do Mato Grosso, a região do Xingu-Araguaia, mas para todo Mato Grosso (Fonte: IMEA).
No Nordeste de Mato Grosso, nos municípios acima citados da região Xingu-Araguaia, cultivamos 548.288 hectares de soja, 166.499 hectares de milho e possuímos 2.234.670 cabeças de bovinos (Fonte: IMEA). Também aqui vale sempre citar que a agricultura avançou em áreas de pastagens, degradadas ou não, mantendo a responsabilidade para com o Meio Ambiente. Nunca em áreas de nova abertura. Abaixo, (Tabela I), com produtos e produções por município.
Falar na região Nordeste do Mato Grosso, entre os Vales dos Rios Xingu e Araguaia é falar em uma condição estratégica especial para exportar nossos grãos produzidos, através do Porto do Itaqui no Maranhão; é falar em temperatura, precipitação, sol, calcário de boa qualidade próximo, relevo, solo, rios, proximidade do porto e regularização fundiária, todas essas condições, contribuindo para uma boa produtividade e a possibilidade de fazer três safras.
O Porto do Itaqui, localizado na cidade de São Luiz do Maranhão, movimenta milhões de toneladas de soja e milho, além de fertilizantes, celulose, combustíveis etc. Localizado a 1.843 quilômetros de São José do Xingu, está em constante processo de ampliação e modernização, procurando atender ao avanço da agricultura na região entre vales. A área do Porto do Itaqui já era conhecida como área de fundeio de embarcações antes do século XIX e a primeira tentativa de construção do Porto se deu em 1918 (não é erro de grafia). A profundidade de seu canal de acesso de 23 metros favorece a navegação. Apenas em 2015 foi inaugurado o Terminal de Grãos do Maranhão. O modal ferroviário impulsionou a capacidade de exportação do porto e a expectativa é de o porto ter capacidade para movimentar 35 milhões de toneladas no final deste ano.
Afirmar que em 10 anos esta região entre os Vales do Xingu e Araguaia, de Água Boa em direção ao Pará, vai ser a segunda região produtora de grãos do Estado de Mato Grosso, não é alucinação, mas estatística pura. É evidente que os custos de produção da porteira para fora serão mais competitivos, se o governo de Mato Grosso cumprir seu dever de casa, fazendo infraestrutura viária básica para escoarmos nossa produção. E que não taxasse tanto o produtor rural.
Os investimentos anunciados pelo governo federal em ferrovias, principalmente a FERROGRÃO, sem sombra de dúvida proporcionarão um grande alavancamento não só à região por onde passará, mas a todo o estado de Mato Grosso e sobretudo ao país, tornando-nos muito mais competitivos na venda de grãos.
Colhida a soja, podemos entrar com o milho e o capim, uma terceira safra, que além de alimento estratégico para o gado na estação seca, servirá de cobertura vegetal para o solo, como plantio direto. Esta condição abençoada de 3 safras (e isso não se verifica em todo Mato Grosso), em comparação com uma única safra praticada pelos europeus e norte-americanos, onde a janela de plantio deles é muito pequena, faz toda a diferença e justifica as ações danosas de ONG’s estrangeiras em nosso território, na tentativa de obstruir nossa produção.
Ser PRODUTOR RURAL no Brasil é exercer uma atividade que requer, além do conhecimento, uma grande dose de otimismo, resiliência, persistência e sabedoria.
A condição do BRASIL de produtor de alimentos, com competência, responsabilidade ambiental, elevadas taxas de produtividade, grande volume de produção e excelente qualidade, é uma realidade irreversível. Se hoje levamos alimentos à mesa de mais de 1 bilhão de seres humanos, em 2050 produziremos cerca de 40% do alimento consumido no mundo.
Fernando Nascimento Tulha Filho – Engenheiro agrônomo pela ESALQ-USP, paulista de Pereira Barreto, Noroeste do estado de São Paulo, casado com a também produtora rural goiana sra. Delúbia Maria Borges Tulha, há 40 anos no Xingu, fundador e atualmente presidente do Sindicato Rural de São José do Xingu, ex-diretor da FAMATO por duas gestões, ex-diretor da ASFAX por três gestões e membro fundador da Associação de Produtores de Leite de Santo Antônio do Fontoura, SJX
Delúbia Maria Borges Tulha foi presidente do Sindicato Rural de São José do Xingu e hoje preside a Associação das Doceiras de Santo Antônio do Fontoura
FOTOS:
1 – Famato
2 – Arquivo pessoal Fernando Tulha
3 e 4 – Site público do Governo de Mato Grosso
Excelente artigo senhor Fernando Tulha. Retrata muito bem as dificuldades que uma má gerência dos impostos que a classe produtora paga, que poderiam impulsionar em muito nossa região, mas retrata principalmente o grande potencial que o Norte Araguaia e Xingu ostentam!!! Meus parabéns.
Grande Tulha! Parabéns, amigo.
Super Tulhas!! Esses tem garras!👏👏👏 PARABÉNS pela luta!🙏
Li como paciência o texto e, além do ótimo Português, a história retrata a persistência desse povo guerreiro, que “abriu” essas terras e essa fronteira. Parabéns pela coragem, Fernando Tulha.
Grande abraço