Boa Midia

Zeca, fraude, chope e uvas

Rondonópolis, a bela cidade que neste 10 de dezembro completa 64 anos, tem peso político e presença na direção de entidades classistas. A luta pelo poder nem sempre é compartilhada por rondonopolitanos, que costumam se enfrentar no sadio exercício da democracia, sempre adaptada pra realidade mato-grossense quando se faz necessário, como manda a regra do olho por olho.

 

Abril de 1994. Secretários do governador Jayme Campos anunciam que deixarão os cargos de olho em candidaturas no mês de outubro. Aréssio Paquer, da Agricultura, estava nessa relação, sonhando em ser deputado federal pelo PFL de Jayme.

Lideranças ruralistas e grupos empresariais do agronegócio se alvoroçaram depois que Jayme lavou as mãos sobre o nome pra suceder Aréssio. Lavou, cruzou os braços e mandou que os interessados indicassem alguém de consenso, mas, se isso não fosse possível, que se fizesse uma eleição setorizada pra sacramentar o sortudo.

Três nomes entraram em cena querendo a secretaria. Ricardo Arioli, de Tangará da Serra, representando os produtores do Chapadão do Parecis. Clóvis Vettorato, empurrado pelo empresário Blairo Maggi e a Fundação de Apoio à Pesquisa Agropecuária de Mato Grosso (Fundação MT). E Érico Piana Pinto Pereira, que era um dos seis vice-presidentes da Federação da Agricultura (Famato).

José Antônio de Ávila, o Zeca de Ávila, presidia a Famato e queria o cargo pra seu vice Piana, antes mesmo que Jayme lavasse as mãos. Pensando na secretaria, percorreu sindicatos rurais e prefeituras administradas por agropecuaristas pedindo cartas de apoio ao seu protegido. Quando soube que a escolha seria em eleição, por pouco não jogou fora as cartas.

Chegou o dia da eleição, que aconteceu na antiga sede a Famato, na Avenida Getúlio Vargas, perto do Choppão, em Cuiabá. Vettorato e Piana fizeram pronunciamentos defendendo suas candidaturas. Arioli saiu do páreo, num louvável gesto de verdadeira paternidade: tinha um filho com problema renal que necessitava de transplante e ele seria o doador; desde aquele dia passei a admirá-lo.

Um dos advogados da Famato, Luiz Alfeu Moogem Ramos, secretariou e fiscalizou a única urna onde os votos foram depositados. Nela, o oposicionista Vettorato deu uma surra eleitoral no situacionista Piana.

Zeca estava em frangalhos. Mesmo assim se preparou para divulgar o resultado. Pedi que aguardasse porque acreditava que algo poderia ser feito. Mesmo sem entender, ele concordou. Enquanto isso os vencedores comemoravam nas mesas do vizinho Choppão.

Reservadamente disse ao presidente da Famato que poderíamos transformar as cartas de apoio a Piana em votos, porque a eleição foi disputada sem regras claras. Seria algo assim: produtores rurais impedidos de comparecer mandaram suas escolhas por meio da papelada. ”E a imprensa?” – quis saber Zeca. Disse a ele pra segurar o resultado até passar o horário dos telejornais locais, porque nos jornais a gente daria jeito (e demos). Por sorte, naquela época não havia sites nem redes sociais.

Não deu outra. Zeca mandou o secretário da Famato, Edson de Andrade, somar a votação presencial com os votos a distância. Com a manobra, Piana esmagou Vettorato. Passamos os números aos editores de Economia e Política dos jornais (passamos mais que isso). Enquanto os vencedores bebiam, as Redações botavam no papel o resultado do pleito que escolheu o vice-presidente da Famato, ex-prefeito de Primavera do Leste e ex-presidente da Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM), Piana, secretário de Agricultura.

Na data da eleição Jayme estava em Brasília. No dia seguinte voou pra Cuiabá e no avião leu os jornais. Os vitoriosos ainda dormiam embalados pelo chope quando o governador desembarcou, abraçou Piana e o levou ao seu gabinete para apresenta-lo aos jornalistas enquanto secretário de Agricultura.

O resultado foi o melhor possível pra Zeca, mas muitas portas se fecharam pra mim, inclusive a da Secretaria de Agricultura, onde Piana nunca me recebeu. Pra Primavera do Leste foi ótima a nomeação de seu ex-prefeito por Jayme. Afinal, ele canalizou ao município um projeto de viticultura, que criou um ciclo da uva por lá que irrigou muitas contas bancárias de plantadores de soja transformados de uma hora pra outro em viticultores e vinicultores.

 

Eduardo Gomes/blogdoeduardogomes

 

PS – Capítulo do livro “Dois dedos de prosa em silêncio – pra rir, refletir e arguir”, publicado em 2015 pelo jornalista Eduardo Gomes de Andrade, sem apoio as leis de incentivos culturais.

A arte é de Generino e a Capa de Edson Xavier

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